Para Netanyahu foi um mufti, e não Hitler, quem teve a ideia do Holocausto

Primeiro-ministro israelita enfrenta chuva de críticas por tentar reescrever a história da Shoah.

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O encontro do mufti com Hilter em Novembro de 1941 DR

As críticas, a indignação e as devidas correcções históricas chegaram de vários lados depois de o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ter declarado que foi o então mufti de Jerusalém, um alto dirigente muçulmano da Palestina durante o mandato britânico, quem deu a ideia a Hitler de exterminar os judeus da Europa.

Num discurso pronunciado no 37.º congresso sionista, em Jerusalém, Netanyahu fez referência a um encontro em Novembro de 1941 na Alemanha entre Adolf Hitler e o grande mufti de Jerusalém Haj Amin al-Husseini. “Naquela altura, Hitler não queria exterminar os judeus, mas sim expulsá-los. Mas Haj Amin al-Husseini foi encontrar-se com ele e disse-lhe: ‘Se os expulsar, eles vão todos para a Palestina’”, contou Netanyahu. “E o que é que devo fazer?’, perguntou Hitler. Ele [o mufti] disse: ‘Queime-os’”, disse o primeiro-ministro israelita.

Netanyahu evocou esta personagem para refutar as acusações, segundo ele historicamente erradas, de que os judeus ou Israel querem destruir ou ocupar o Pátio das Mesquitas e a Mesquita de Al-Aqsa, lugares santos do islão, que se encontram em Jerusalém.

As reacções não se fizeram esperar. Um porta-voz da chanceler alemã teve de vir a público dizer que a responsabilidade do Holocausto é dos alemães e da Alemanha. “Todos os alemães sabem a história do genocídio nazi que levou à ruptura com a civilização que foi o Holocausto”, disse Steffen Seibert. “Isto é ensinado nas escolas alemãs por uma boa razão, para que nunca seja esquecido. E não vejo qualquer razão para mudarmos a nossa visão da História. Sabemos que a responsabilidade por este crime contra a humanidade é nossa, da Alemanha e dos alemães.”

Em Israel, o líder da oposição trabalhista Isaac Herzog qualificou as palavras de Netanyahu como “uma deformação histórica perigosa (…) que minimiza a Shoah, os nazis e o papel que Adolf Hitler desempenhou na terrível tragédia a que o nosso povo foi submetido”. Sendo líder do Governo e, ainda por cima, filho de um historiador, escreveu Herzog na sua página de Facebook, só resta ao primeiro-ministro corrigir “imediatamente” as suas palavras.

O negociador palestiniano Saeb Erakat lamentou que “o chefe de Governo israelita odeie tanto o seu vizinho [palestiniano], ao ponto de estar disposto a absolver o maior criminoso de guerra da história, Adolf Hitler, da morte de seis milhões de judeus durante o Holocausto”.

Também a historiadora e directora do memorial Yad Vashem para a memória da Shoah, em Jerusalém, se pronunciou dizendo que as declarações de Netanyahu não são “historicamente exactas”. “Não foi o mufti, mesmo tendo posições antijudias muito extremas, que deu a Hitler a ideia de exterminar os judeus”, declarou Dina Porat à AFP. “Essa ideia é bem anterior ao encontro dos dois em Novembro de 1941. Num discurso no Reichstag, no dia 30 de Janeiro de 1939, Hitler já se tinha referido a ‘um extermínio da raça judia’”, recordou.

Em 1941, o mufti Husseini, refugiado na Alemanha, pediu a Hitler o seu apoio para a independência da Palestina e dos países árabes e para travar a criação de um território judeu. O Estado de Israel é proclamado em 1948.

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