Para ajudar UE com os refugiados, Erdogan quer apoio contra terroristas

O Presidente turco foi a Bruxelas expor as suas condições para apoiar a União Europeia no controlo no número de refugiados que chegam do Médio Oriente. O preço a pagar é alto, e não se trata só de dinheiro.

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Erdogan quer que a UE apoie a criação de uma zona-tampão na Síria, para onde enviaria muitos dos refugiados que agora estão na Síria EMMANUEL DUNAND/AFP

A União Europeia quer a ajuda da Turquia para estancar a sangria de refugiados provocada pela guerra na Síria. Mas o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que durante tantos anos viu as portas fechadas para a adesão de Ancara, não está disposto a facilitar a vida aos europeus. De visita a Bruxelas, para negociações ao mais alto nível, expôs as suas condições, que passam pela exigência de que a UE apoie a guerra que a Turquia está a lançar contra todos a que chama terrorista – sejam eles o Estado Islâmico (EI) ou os curdos que têm combatido esta organização jihadista.

O rosto fechado do presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, enquanto dizia, ao lado de Erdogan, que “a UE está pronta a discutir a possível criação de uma zona-tampão”, no Norte da Síria, mostrava o desconforto. Para criar esta área segura teria de ser imposta também uma no-fly zone – algo cada vez mais difícil, agora que aos bombardeamentos da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos conta o Estado Islâmico se juntaram os russos, e até os da aviação do Presidente Bashar Al-Assad.

O objectivo desta zona-tampão, nos planos de Ancara, seria o de relocalizar alguns dos 2,5 milhões de refugiados que a Turquia recebeu desde Março de 2011, quando começou a guerra na Síria – “2,2 milhões de sírios e 300 mil do Iraque”, precisou o Presidente Erdogan. “Nunca discriminamos entre muçulmanos, yazidis, cristãos. Sempre tivemos as fronteiras abertas para todos”, declarou, numa cotovelada clara aos países e líderes da UE que se têm recusado a receber os refugiados sírios por serem muçulmanos.

Washington tem torcido o nariz à criação desta área, embora possa ter cedido recentemente. Mikhail Bogdanov, um vice-ministro da Defesa russo, também já expressou o desagrado do seu país em relação a tal ideia. “Claro que nos opomos a isso. É preciso respeitar a soberania dos países”, afirmou, citado pela AFP. “A criação dessa zona não tem fundamento nem na Carta das Nações Unidas, nem no Direito internacional”, afirmou o governante russo.

É um objecto estranho, mas com o qual a União Europeia terá de lidar com muito cuidado e aprender a manejar, se quiser de facto ter a colaboração da sua vizinha Turquia para impedir que os refugiados do Médio Oriente continuem a chegar como até agora à Europa – de Janeiro a Setembro, pelo menos 630 mil entraram ilegalmente no espaço Schengen, anunciou a Frontex, a agência responsável pelas fronteiras europeias.

Contra todos os terroristas
Mas Erdogan não veio a Bruxelas com uma atitude humilde e prestável. Veio em período de campanha eleitoral – convocou eleições legislativas antecipadas para 1 de Novembro, depois de em Junho o seu partido, o AKP, não ter tido uma votação suficiente para poder formar Governo sozinho.

Determinado a conquistar uma maioria clara desta vez, a pretexto da guerra da Síria lançou uma guerra contra aquilo que designa como todos os tipos de terrorismo. Nesta designação inclui tanto o Estado Islâmico, que conquista territórios na Síria e no Iraque, como os vários grupos armados curdos que combatem Assad e os jihadistas do EI. Entre eles, o PKK [Partido dos Trabalhadores do Curdistão], com quem antes estava a negociar a paz para pôr fim a uma guerra civil.

“A luta da Turquia não é contra um grupo ou etnia”, afirmou Erdogan, ao lado de um Tusk de cara fechadíssima. “Nunca devemos dar ouvidos aos que fazem propaganda nos países da UE para encobrir os seus crimes. Isso é a chave para a cooperação internacional”, explicou o Presidente turco, quase como se fosse uma lição aos europeus. “Ainda que os países da UE reconheçam o PKK como uma organização terrorista, há alguns que não o fazem. Mas não devem ter nenhuma legitimidade por dizerem que lutam contra o Estado Islâmico. Não pode haver um bom terrorista e um mau terrorista.”

“Esperamos que os nossos amigos europeus mostrem a necessária sensibilidade sobre esta questão”, afirmou Erdogan, como quem expõe as suas condições para começar a negociar aquilo que lhe pedem. “Recordo-vos mais uma vez que a causa da crise de refugiados actual é a guerra na Síria e o regime de Assad, que lançou o terrorismo de Estado”, disse ainda o Presidente turco.

Antes, ao enumerar os pontos em que a UE e a Turquia estavam de acordo, Donald Tusk tinha dito que ambas as partes concordavam que quanto à guerra na Síria, “a solução não pode passar pela Rússia apoiar o Presidente Assad e bombardear a oposição”. Com um suspiro, Tusk disse ainda: “Concordamos na necessidade de lutar contra o Daesh [a designação do EI nos países islâmicos].”

Bastará dinheiro?
Irremediavelmente divididos sobre a questão dos refugiados, mas confrontados com uma crise humanitária de que não se vê o fim, os Vinte e Oito concordaram em canalizar pelo menos mil milhões de euros para os países vizinhos da Síria onde estão a maioria dos refugiados – Turquia, Jordânia, Líbano – e de onde muitos estão a fugir, por falta de alimentos e outros apoios, porque os países ricos não têm pago as suas contribuições para o Programa Alimentar Mundial, por exemplo, que os alimenta.

Erdogan disse que a Turquia gastou, até agora, 7500 milhões de dólares (6700 milhões de euros) a dar abrigo e a ajudar os refugiados, criticando os meros 417 milhões de dólares (372 milhões de euros) que recebeu em ajuda estrangeira. Não foram avançadas outras propostas concretas.

Donald Tusk e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker – que se reuniu depois com Erdogan, e aos quais se junta para jantar o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz – discursam terça-feira de manhã no Parlamento Europeu. Talvez digam algo mais sobre o que se adivinham serem tempestuosas negociações.

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