Papa recorda a “tragédia incomensurável” do Holocausto

No último dia da sua visita à Terra Santa, Francisco fez mais um desvio não programado: depois de orar junto ao muro de separação, esteve no memorial das vítimas israelitas dos atentados em Jerusalém.

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Francisco junto ao Muro das Lamentações, no último dia da sua visita ao Médio Oriente Ronen Zvulun/Reuters

Um dia depois de ter convidado os presidentes israelita e palestiniano a visitarem o Vaticano e a rezarem “juntos” pela paz, o Papa pediu o livre acesso dos crentes de todas as religiões aos lugares santos de Jerusalém, no último dia de uma peregrinação ao Médio Oriente anunciada como “estritamente religiosa” mas que acabou por ser marcada por gestos simbólicos e políticos.

A última etapa da visita de três dias foi, esta segunda-feira à tarde, antes do regresso a Roma, a celebração de uma missa privada com religiosos no Cenáculo de Jerusalém, local sagrado para cristãos, judeus e muçulmanos, e um símbolo de tensões. Por precaução, a polícia afastou do local dezenas de judeus extremistas, suspeitos de quererem perturbar a presença do Papa.

No Cenáculo, Francisco fez, segundo a AFP, um discurso carregado de emoção em que defendeu a Igreja como uma “nova família” e insistiu na importância da “fraternidade” e da “amizade”. “O Cenáculo recorda-nos a partilha, a fraternidade, a paz entre nós. Que amor jorrou do Cenáculo! Que caridade saiu daqui, como um rio da sua fonte.” Segundo a tradição cristã, foi aquele o local da última ceia de Jesus com os apóstolos. Para os judeus, o Cenáculo abriga o túmulo do rei David. Durante séculos, até à criação do Estado de Israel, houve ali uma mesquita e os muçulmanos vêem-no como um santuário.

Anteriormente, num encontro com o Presidente israelita, Shimon Peres, o Papa pediu o livre acesso dos crentes de todas as religiões aos lugares santos de Jerusalém e o fim da “violência e das manifestações de intolerância”. Mais ou menos à mesma hora, o município local anunciou a aprovação de um plano de construção de 50 habitações num colonato de Jerusalém Ocidental.

O tom conciliatório de Francisco tinha já dominado as suas palavras matinais, na visita ao Pátio das Mesquitas, onde pediu a muçulmanos, cristãos e judeus para “trabalharem juntos pela justiça e pela paz”.

“Respeitemo-nos e amemo-nos uns aos outros como irmãos e irmãs! Aprendamos a compreender a dor do outro! Que ninguém instrumentalize a violência em nome de Deus! Trabalhemos juntos pela justiça e pela paz”, apelou, diante do grande conselho muçulmano e depois de ouvir a mensagem de acolhimento do grande mufti, o xeque Mohammed Hussein, na mesquita Al-Aqsa.

Em seguida, a curta distância, Francisco recolheu-se sozinho diante do Muro das Lamentações, onde deixou uma mensagem entre as pedras deste local santo do judaísmo. Depois, abraçou longamente o rabino Abragam Storka e o professor muçulmano Omar Abboud, dois dos seus amigos próximos de Buenos Aires, que o acompanharam nesta visita.

Todos estes passos repetiram os dos seus antecessores nas visitas a Jerusalém, ao contrário do ponto seguinte: no cemitério nacional do Monte Herzl, o Papa depositou um ramo de flores com o amarelo e o branco do Vaticano no túmulo do pai fundador do sionismo, Théodore Herzl, um gesto que activistas palestinianos lhe tinham pedido que não cumprisse.

Visitas surpresa "significativas”

A caminho do memorial do Holocausto, em Yad Vashem, que já antecipara como etapa “particularmente tocante” da sua viagem, Francisco saiu do programa e passou pelo memorial à vítimas israelitas dos atentados em Jerusalém, acompanhado pelo primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. Foi a segunda surpresa da viagem, depois do desvio não anunciado que no domingo o levou até junto do muro de separação erguido por Israel na Cisjordânia. Aí, junto ao bloco de betão, encostou-se e permaneceu algum tempo em oração, como fazem os judeus no Muro das Lamentações.

Depois de ter optado por entrar na Cisjordânia pela Jordânia, o que deixou Israel para última etapa, e de se ter referido durante a preparação da viagem ao “Estado palestiniano”, o recolhimento junto ao muro de separação ganhou grande significado. Contudo, os gestos desta segunda-feira de manhã equilibraram um pouco a balança.

A rádio militar israelita explicou que a paragem no memorial das vítimas dos atentados aconteceu a pedido de Netanyahu – o que foi depois confirmado pelo porta-voz do Papa, Federico Lombardi. Responsáveis citados pelo diário Yediot Aharonot dizem que Israel exprimiu ao Vaticano o seu descontentamento pelo gesto do Papa junto do muro de separação, em Belém. Lombardi respondeu que Francisco pensa que “os povos devem encontrar-se, juntar-se e que um muro não o impede” – o Papa, acrescentou, quis dizer que “a situação não é normal”.

Denunciando a “tragédia incomensurável” do Holocausto e “o abismo” que este constituiu para a humanidade, Francisco passou algum tempo em Yad Vashem com dirigentes israelitas. “Senhor, nunca mais, nunca mais!”, disse na visita ao memorial erguido em memória dos seis milhões de judeus exterminados nos campos de concentração nazis.

Interrogado sobre a dimensão política de uma viagem anunciada como “estritamente religiosa”, Lombardi disse que Francisco “não tem agenda política” mas decidiu acrescentar alguns “gestos” ao programa da visita.

Citado pela AFP, afirmou que as visitas-surpresa da viagem “foram significativas e permitiram completar” o programa. Disse também que “não foram gestos contra [quem quer que fosse]” e que o líder católico pensou como um “profeta”, que “vê para além” dos bloqueios actuais para indicar “caminhos”, “pontes” possíveis. O Papa quis fazer um gesto por um lado contra um muro que não conduz à paz e, por outro, contra o terrorismo que mata inocentes e destrói a paz, explicou.

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