Papa põe fim ao conflito com as freiras “feministas radicais” dos EUA

Vaticano acusava organização de freiras norte-americanas de se desviar da doutrina católica oficial por se pronunciar sobre temas considerados polémicos.

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As representantes da Leadership Conference of Women Religious com o Papa Francisco Osservatore Romano/Reuters

O Vaticano deu por terminado um controverso processo de reforma da maior organização de freiras dos Estados Unidos, que considerava estar a afastar-se da doutrina oficial da Igreja Católica.

O Papa Francisco recebeu na quinta-feira as freiras norte-americanas no Vaticano para encerrar um capítulo iniciado ainda pelo seu antecessor, Bento XVI. O encontro, documentado com uma fotografia pela agência oficial da Santa Sé, durou quase uma hora, “uma quantidade extravagante de tempo papal”, observou a teóloga e especialista em ordens religiosas femininas, Eileen Burke-Sullivan, citada pelo New York Times. “É o mais próximo de um pedido de desculpas”, acrescenta.

Em causa está um inquérito de "avaliação doutrinária" lançado em 2012, quando a Congregação para a Doutrina da Fé acusou a Leadership Conference of Women Religious (LCWR), uma organização que representa 80% das 57 mil freiras católicas americanas, de ter “problemas doutrinais graves”. O Vaticano entendia que as freiras promoviam “temas feministas radicais incompatíveis com a fé católica”, segundo o relatório do cardeal norte-americano, William Levada.

A relação entre a Santa Sé e as freiras norte-americanas é tensa há várias décadas, escreve o Financial Times – algo que se acentuou com a postura mais assertiva da organização nos últimos anos. Uma das preocupações para Roma foi o forte envolvimento da LCWR no apoio à reforma do sistema de saúde norte-americano promovida pelo Presidente Barack Obama. Em público, as freiras também discutiam questões como a utilização de contraceptivos – que continuam a ser proibidos pela doutrina oficial – ou a ordenação de mulheres como sacerdotes.

As freiras norte-americanas tentaram desde sempre contrariar as acusações lançadas sobre a sua organização. Em 2013, a irmã Pat Farrell dizia ao PÚBLICO que a LCWR foi alvo de “acusações muito vagas e algumas fora de contexto". As irmãs argumentavam também que Roma não percebia os valores culturais de participação pública e interacção junto das comunidades defendidos pelas organizações católicas femininas norte-americanas.

O relatório de Levada foi o ponto de partida para o Vaticano, através do seu braço doutrinário, encarregar em 2012 o arcebispo de Seattle, Peter Sartain, de encabeçar um processo de avaliação e reforma da LCWR. Durante os cinco anos seguintes, Sartain teria amplos poderes de jurisdição sobre a organização, podendo rever os seus estatutos, programas, assembleias ou publicações. Desde então persistiu o receio de que o Vaticano decidisse dissolver a LCWR ou tomar o seu controlo de forma permanente.

O Vaticano revelou que aceitou o relatório de Sartain e deu por concluído o período de “vigilância” sobre a LCWR, dois anos antes do previsto. Foram feitas algumas recomendações ao grupo no que respeita à selecção de oradores e dos programas das suas conferências e para que incluam a revisão das suas publicações por “teólogos competentes”.

O tom das declarações que sucederam ao anúncio foi conciliador em ambas as partes. “Aprendemos que o que temos em comum é muito superior às nossas diferenças”, disse a presidente da LCWR, Sharon Holland, através de um comunicado. O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Gerhard Müller, mostrou-se “confiante de que a LCWR deixou clara a sua missão de apoiar os seus institutos membros promovendo uma visão da vida religiosa centrada na pessoa de Jesus Cristo e ancorada na tradição da Igreja”.

O colunista do National Catholic Reporter, Thomas Fox, congratulava-se pela chegada ao fim do processo de "avaliação doutrinária" e sublinhava que “representa mais uma prova de que o Papa Francisco está a mudar o espírito primordial, e até, o rumo da Igreja”.

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