Papa leva mensagem de justiça social aos três países mais pobres da América Latina

Equador, Bolívia e Paraguai foram os países escolhidos por Francisco para um primeiro périplo no continente americano. Em Setembro visita Cuba e os Estados Unidos. Argentina, Chile e Uruguai ficam para 2016.

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O Papa fez saber que quer exprimentar mascar folhas de coca na Bolívia ALBERTO PIZZOLI/AFP

Francisco, o primeiro Papa latino-americano, inicia este domingo um périplo de sete dias pela América do Sul, com paragens no Equador, Bolívia e Paraguai – três dos países mais pobres da região e que o Vaticano acredita serem particularmente receptivos ao discurso evangelizador voltado para os mais necessitados e desfavorecidos, “os velhos, os doentes, os presos, os pobres e todos os que são vítimas da actual cultura de usar e deitar fora”, como confirmou o próprio Papa numa curta mensagem em vídeo antes da partida.

A agenda de Francisco na região demonstra claramente qual o “público” que pretende tocar durante a sua deslocação. Ali constam 13 discursos oficiais e seis homilias, visitas a lares de terceira idade, hospitais pediátricos, estabelecimentos prisionais e contactos com representantes de organizações de ambientalistas, ou activistas de movimentos como os sem-terra.

A viagem do Papa à sua região natal ocorre num momento em que a Igreja Católica sofre uma forte concorrência dos ramos cristãos evangélicos e protestantes. Os números do último estudo realizado pelo Pew Research Center mostram que com 425 milhões de fiéis, o território latino-americano ainda se mantém predominantemente católico, mas apesar de 84% da população confirmar ter uma educação católica, só 69% se identifica como praticante.

Como assinalava esta semana o jornal Miami Herald, o carinho especial de Francisco pela América Latina tem sido demonstrado pelo seu envolvimento pessoal em processos diplomáticos ou negociais vistos como politicamente “sensíveis”: a Colômbia beneficiou da sua bênção às negociações de paz em curso entre o Governo e a guerrilha das FARC, e os opositores e presos políticos da Venezuela encontraram no Papa um porta-voz, defensor do diálogo junto do Presidente Nicolás Maduro.

No próximo mês de Setembro, Francisco visita Cuba e os Estados Unidos – Havana e Washington confirmaram que o Papa desempenhou um papel de intermediário fundamental para o “descongelamento” da relação bilateral ao fim de 50 anos de ostracismo e isolamento.

O primeiro circuito latino-americano do Papa Francisco ignora propositadamente a Argentina, onde nasceu Jorge Mario Bergoglio: o país vive um período de pré-campanha eleitoral e o Vaticano não quis que a presença do Pontífice pudesse servir propósitos políticos. Uma visita papal àquele país está agendada para 2016, ano em que também está previsto passar pelos vizinhos Chile e Uruguai.

Para além das questões ecuménicas, e das matérias relativas à pobreza, desigualdades e justiça social, o Vaticano espera que a presença de Francisco na região andina possa também chamar atenção para a sua mensagem ambiental. Há dias, o Pontífice assinou a sua primeira encíclica dedicada à defesa do planeta, assumindo a necessidade de medidas urgentes para travar os efeitos nefastos do aquecimento global e alterações climáticas, potenciados pela actividade humana.

As agências diziam que o Papa estava preparado para dar conta das suas “preocupações” com os custos ambientais do processo de desenvolvimento nos seus encontros com os Presidentes Rafael Correa e Evo Morales. Em particular, deveria assinalar a importância do papel de cuidador e guardião da natureza assumido pelos povos indígenas como por exemplo os guarani – que mantém uma disputa de anos para proteger o seu território da exploração de gás natural.

Francisco aterra em Quito este domingo: a capital do Equador terá o “imenso privilégio” de servir de palco à primeira intervenção de Papa perante “uma multidão que fala a mesma língua”, congratulava-se o arcebispo Fausto Gabriel Trávez, presidente da Conferência Episcopal.

Na quarta-feira o Papa chega a Bolívia, onde seguramente deixará os repórteres de imagens num afã para captar o momento em que levará à boca as folhas secas de coca, remédio tradicional utilizado pelos locais para combater os efeitos da altitude e que Francisco quer ter à disposição para mascar. “O Papa fica sempre muito feliz por respeitar as tradições dos locais por onde passa”, explicou o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi.

O pedido do Papa alimentou uma pequena polémica antes da sua chegada: o consumo de folha de coca é encarado pelos bolivianos, sobretudo os mais pobres, como medicinal, e está despenalizado desde 2013, mas mesmo assim o produto figura na lista oficial de drogas e narcóticos das Nações Unidas. Além de sofrer de ciática, o Pontífice teve de remover uma parte do pulmão na juventude: por causa dos possíveis riscos para a sua saúde, a permanência em La Paz, que fica 3650 metros acima do nível do mar, foi restringida a apenas quatro horas.

Ignorando os cuidados do Vaticano para manter o carácter puramente religioso da viagem papal, vários grupos de interesse estão a aproveitar a chegada de Francisco para promover as suas causas políticas. No Paraguai, grupos conservadores esperam que o Papa apoie a decisão oficial num caso que dividiu as opiniões no país: o de uma menina de dez anos que engravidou quando foi violada pelo padrasto e a quem foi recusado um aborto. Na Bolívia, os sindicatos dos transportes e dos mineiros fizeram pré-anúncios de greve para os dias da visita de Francisco, para pressionar o executivo a aceitar as suas reivindicações. Mais tenso ainda é o ambiente no Equador, onde o Governo do Presidente Rafael Correa está a tentar defender uma proposta para um controverso e impopular novo imposto sucessório em cartazes com citações do Papa.

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