Papa lamenta papel da Igreja Católica na exploração colonial da América Latina

Assessor de imprensa do Vaticano explicou o caso do "crucifixo comunista". Objecto é uma réplica do orginal feito pelo padre jesuíta Luís Espinal Camps, torturado e assassinado em 1980.

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Em Santa Cruz de la Sierra, o Papa celebrou também uma missa para milhares de fiéis Alessandro Bianchi/Reuters

O Papa pediu desculpas aos povos indígenas da América Latina pela cumplicidade da Igreja Católica durante a opressão dos países europeus na era colonial. Num recinto cheio de activistas, agricultores, trabalhadores da recolha do lixo e representantes de comunidades nativas em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, Francisco também convocou um movimento social global para combater o “novo colonialismo”, que patrocina a desigualdade, o materialismo e a exploração dos mais pobres.

“Alguns podem dizer que quando o Papa fala de colonialismo, esquece-se de algumas acções da Igreja. Mas eu digo-vos, lamentando: foram cometidos muitos pecados contra os povos latinos em nome de Deus”, disse o primeiro Papa latino-americano da História da Igreja Católica.

“Peço humildemente perdão, não apenas pelas ofensas da Igreja mas também pelos crimes cometidos contra os povos nativos durante a chamada conquista da América”, acrescentou.

A Bolívia foi um dos países mais castigados e explorados pelo colonizador — era um depósito natural de prata, que foi usado por Espanha para enriquecer, financiar a expansão do seu império e encher os cofres do Vaticano.

O pedido de desculpas chega durante uma viagem em que o Papa vem deixando clara a sua intenção de fazer da Igreja um refúgio para os pobres e oprimidos da América do Sul – não é indiferente que a sua viagem passe pelos países mais pobres da região. Depois do Equador e da Bolívia, segue para o Paraguai, de onde regressa ao Vaticano, no domingo.

Na Bolívia, apelou à unidade da região e mencionou a Grande Pátria, a ambição histórica de tornar a América Latina numa força unida perante o mundo.

Em Santa Cruz de la Sierra, o Papa celebrou também uma missa para milhares de fiéis e aí teve lugar mais um dos episódios que têm marcado esta viagem. Francisco, que é um crítico da economia global desumanizada e controlada pelas grandes empresas, viu-se obrigado a mudar de roupa e preparar-se num restaurante da cadeia de fast food Burger King, uma vez que não estava preparado um espaço para que o fizesse no recinto.

O "crucifixo comunista" descodificado
Outro dos episódios da viagem papal – a oferta do Presidente Evo Morales a Francisco de uma foice e martelo com a imagem de um Cristo crucificado – começou por ser tratado como um pequeno incidente diplomático, mas o assessor de imprensa do Vaticano, Federico Lombardi, apresentou outra versão.

Num primeiro momento, a Catholic News Agency avançou que o Papa reagiu à oferta com uma frase que parecia traduzir o seu desagrado: “Não está certo.” Mais tarde, numa conferência de imprensa, Lombardi disse que pode ter havido um problema de tradução, e que o Papa terá dito: “Não sabia.”

O objecto entregue por Morales ao Papa Francisco é uma réplica do original feito na década de 1970 pelo padre jesuíta Luís Espinal Camps, nascido em Espanha. O missionário foi torturado e executado com 12 tiros em 1980, depois de ter sido sequestrado quando saiu de uma sala de cinema em La Paz.

O assassínio de Espinal não chegou a ser julgado em 1986, durante os julgamentos dos crimes cometidos durante a ditadura instaurada pelo general Luís García Meza entre 1980 e 1981, porque o crime foi cometido quatro meses antes do golpe de Estado militar.

No dia em que chegou à Bolívia, o Papa Francisco parou no local em que o corpo do padre Espinal foi deixado e rezou por ele. O que aconteceu no encontro entre Evo Morales e o Papa, segundo o Vaticano, foi que Francisco não sabia que o “crufixo comunista” – como foi imediatamente baptizado nas redes sociais – tinha sido feito pelo padre Luís Espinal, e por isso terá ficado incomodado num primeiro momento.

“Pode-se discutir o significado e o uso desse símbolo agora, mas o original é de Espinal, e o seu objectivo era promover o diálogo aberto [entre a Igreja e o comunismo], e não promover uma ideologia específica”, disse o assessor de imprensa do Vaticano.

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