Papa diz que os católicos não devem procriar "como coelhos”

O líder da Igreja Católica defende a “paternidade responsável” e recusa a ideia de que os católicos devem ter o maior número possível de filhos.

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Papa Francisco esteve nas Filipinas REUTERS/Osservatore Romano

Para o Papa Francisco, os bons católicos “não devem procriar como coelhos”. Numa conferência de imprensa a bordo do avião que o transportou de Manila, nas Filipinas, para Roma, o líder da Igreja Católica recusou a ideia de que os casais católicos devem ter o maior número de filhos possível, mas sublinhou que é contra a contracepção artificial.

Estas declarações surgem depois de um jornalista perguntar a Francisco o que diria a uma família católica que tem mais filhos do que economicamente lhe é possível, mas a quem a Igreja proibe de fazer contracepção. Nas Filipinas, o Papa foi confrontado com a realidade de milhares de crianças abandonadas nas ruas por pais que não as conseguem sustentar.

“A abertura à vida é uma condição do sacramento do matrimónio, mas isso não significa que os católicos devam fazer crianças em série. Falei com uma mulher, grávida do seu oitavo filho depois de sete cesarianas, e disse-lhe: ‘Você quer deixar órfãs sete crianças’”, contou o Papa, defendendo que o exemplo desta mãe “é de irresponsabilidade”, embora reconheça que, para os mais pobres, um filho é visto como um tesouro.

Em resposta, a mulher disse ao Papa Francisco que confiava em Deus. Ao que ele lhe respondeu: “Deus deu-te os meios para seres responsável. Alguns crêem, perdoem-me a expressão, que para serem bons católicos devem ser como coelhos”, rematou.

Alguns casais são assim, reconhece Luís Cabral, presidente da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), mas essa é uma “posição incorrecta que não revela uma maternidade responsável. Uma pessoa que teve várias cesarianas corre o sério risco de deixar os filhos sem mãe e isso não é admissível”, diz ao PÚBLICO.

“O nosso sentido vem na linha do que a Igreja sempre disse: a paternidade deve ser responsável e as decisões de ter muitos filhos devem pertencer ao casal”, acrescenta Luís Cabral.

Esta ideia está patente na Carta dos Direitos da Família, de 1983, onde se diz que o casal “tem o direito inalienável de constituir uma família e de determinar o intervalo entre os nascimentos e o número de filhos que desejam”. Anterior a este documento assinado pelo Papa João Paulo II está a encíclica Humanae Vitae, saída do Concílio Vaticano II, outorgada por Paulo VI, onde se fala da “paternidade responsável” como missão do casal. Francisco, durante a mesma conversa com os jornalistas, apelidou Paulo VI de "profeta", porque se preocupou com o "neomalthusianismo universal" que "procura controlar a humanidade". Francisco referiu, aos jornalistas, que os especialistas recomendam três filhos por casal.

"A ideia-chave que a Igreja defende é a paternidade responsável. Como é que esta se faz? Pelo diálogo. Este existe no seio da Igreja, nos grupos matrimoniais, nos especialistas, nos pastores", insistiu o Papa.

Maria José Vilaça, presidente da Associação de Psicólogos Católicos, confirma que esse apoio existe em grupos no interior das paróquias mas também é feito por associações e outras organizações. Um apoio que pode começar ainda durante o namoro e que se estende às famílias. Para a psicóloga, o que Francisco diz não é novo mas "é inovadora" a forma como o diz. "O que faz é dizer às pessoas para usarem a razão. É dizer que Deus nos deu a razão não para procriarmos como animais mas para nos reproduzirmos como seres humanos."

Regular a natalidade
Desde 1968, quando a Humanae Vitae foi publicada, que a Igreja não pede aos católicos que procriem como coelhos, antes indica como devem regular a natalidade, começando por lhes lembrar a sua “missão de paternidade responsável”. Esta passa por respeitar as “leis biológicas que fazem parte da vida humana”. No que diz respeito às condições físicas, económicas, psicológicas e sociais, a “paternidade responsável exerce-se tanto com a deliberação ponderada e generosa de fazer crescer uma família numerosa, como com a decisão, tomada por motivos graves e com respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado, um novo nascimento”, recomenda a encíclica, que condena os métodos de regulação artificial da natalidade.

Francisco, com as suas declarações, também sublinha que é contra a contracepção artificial, o que Duarte Vilar, director executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF), lamenta. “É lamentável que uma instituição com a importância da Igreja Católica continue a defender ideias de há 50 anos [desde o Concílio Vaticano II], quando, do ponto de vista humano, apenas uma minoria usa métodos naturais”, diz, acrescentando que em Portugal, um país maioritariamente católico, só 2% das mulheres usam esse tipo de métodos. O país é o segundo do mundo onde mais se usam contraceptivos, a seguir à Noruega.

Para Graça Mira Delgado, presidente do Movimento Defesa da Vida, associação que promove a educação sexual e o planeamento familiar, a encíclica de Paulo VI foi mal interpretada e, por isso, rejeitada. "A Humanae Vitae foi rejeitada por aceitar tacitamente o uso de contracepção hormonal, mas desde essa altura que a Igreja defende uma paternidade consciente, generosa e responsável. E é isto que o Papa Francisco, na sua linguagem muito simples e próxima das pessoas, diz quando afirma que não devem procriar como coelhos", interpreta.

Não faz sentido falar em contracepção natural, mas em regulação, sublinha Maria José Vilaça. "A Igreja não educa para a contracepção mas para a regulação natural. A contracepção implica uma visão redutora do homem, da sexualidade, da própria vida que é vista como uma ameaça e de Deus", adianta.

"Os métodos ditos naturais são muito seguros. Pelo conhecimento dos momentos férteis é possível regular a vida sexual do casal", acrescenta Graça Mira Delgado.

O "planeamento natural educa para o respeito pelo outro, a maravilharmo-nos perante o outro", descreve Maria José Vilaça que informa que desde Paulo VI a investigação nesta área tem feito "grandes avanços" que não são conhecidos porque "do ponto de vista económico não interessam", já que são mais baratos.

À APF chegam mulheres como a descrita pelo Papa, confirma Duarte Vilar, mas são muito poucas. O responsável lembra um estudo feito há cerca de uma década, em parceria com o Instituto de Ciências Sociais, onde apareciam as chamadas “mulheres pré-modernas”, ou seja, as que não fazem qualquer tipo de decisão reprodutiva; mulheres que engravidam, têm filhos ou abortam, voltam a engravidar sem fazer qualquer tipo de contracepção. Estas são sobretudo mulheres pobres, mas também estão incluídas neste grupo outras que têm este comportamento devido a tradições culturais ou que valorizam ter muitos filhos.

Para Graça Mira Delgado, o mais importante é a liberdade das pessoas. Se um casal quer ter muitos filhos não deve ser apelidado de irresponsável, mas deve ser respeitado pelas suas opções. "Não é o médico, o enfermeiro, o pai ou o padre que decidem; é a mulher que escolhe na sua relação com Deus", defende, lamentando a pressão que muitas vezes estas sentem por parte da sociedade.

Direitos das famílias numerosas
A APFN não faz aconselhamento às famílias sobre o número de filhos que devem ter, mas defende o seu direito a tê-los, lembra Luís Cabral. "Estas famílias são muito criticadas e têm as suas vidas mais dificultadas", aponta Graça Mira Delgado.

Não existe nas declarações do Papa qualquer palavra contra as famílias numerosas, salvaguarda Hugo Oliveira, secretário-geral da Confederação Nacional das Associações de Família. "A Igreja deve acompanhar a evolução da sociedade e o Papa tem dado sinais claros de querer passar uma mensagem de protecção da família. Há uma mensagem de responsabilidade", afirma.

Durante a viagem de avião, o Papa denunciou ainda a "colonização ideológica" contra a família tradicional. Graça Mira Delgado alerta para os países em desenvolvimento, onde as pessoas são "condicionadas a aceitar formas de controlo de natalidade que vão contra a sua cultura". "Isso é grave", diz.

O presidente da Federação Portuguesa pela Vida prefere não comentar as palavras do Papa. “Ouvi-as atentamente para perceber qual o desafio para a minha vida e para a minha conversão”, declara António Pinheiro Torres.

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