Pânico do ébola toma conta dos EUA e da Europa

É em África que há pessoas a morrer com a febre hemorrágica, mas o Ocidente, que durante meses ignorou a epidemia, está a viver uma onda de medo do ébola, que faz dos africanos vítimas. Nos EUA apela-se ao fecho de fronteiras.

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Manifestante frente à Casa Branca exige que sejam cancelados todos os voos vindos da África Ocidental MLADEN ANTONOV/AFP

Um navio de cruzeiro americano foi impedido de atracar no Belize, porque a bordo ia uma técnica do laboratório do hospital de Dallas onde morreu o liberiano Thomas Duncan e manipulou algumas das suas análises. Ela está de boa saúde, mas foi posta de quarentena no navio e retirada de emergência. E há várias escolas encerradas no Ohio e no Texas – porque alguns professores e alunos viajaram no mesmo voo que a segunda enfermeira americana com sintomas de ébola.

A três semanas das eleições de 4 de Novembro nos Estados Unidos, em que os republicanos esperam retomar o controlo do Senado, a febre hemorrágica que já matou mais de 4500 pessoas em África tornou-se uma arma de arremesso eleitoral. “Temos um foco de ébola. Temos pessoas suspeitas que cruzam a fronteira. Temos de selar a fronteira e blindá-la”, afirmou num debate Thom Tillisque procura ser eleito senador da Carolina do Norte pelos republicanos.

Ted Cruz, a nova estrela do Tea Party e possível candidato republicano às eleições presidenciais de 2016 nos EUA, exige que a Agência Federal de Aviação impeça a entrada no país todos os voos provenientes dos países onde está em curso a epidemia – Libéria, Serra Leoa, Guiné-Conacri. O Presidente Barack Obama mantém que não vai interditar os voos provenientes de África: “Em todas as conversas os peritos dizem que isso seria menos eficaz que as medidas de controlo nos aeroportos, e arriscávamo-nos a que as pessoas originárias destes países usassem outros meios de transporte ou dissimulassem a sua proveniência”.

Reconhecendo a importância política do tema, Obama nomeou um czar para o ébola, um responsável para gerir a resposta governamental à doença. Trata-se de Ron Klain, ex-assessor dos vice-presidentes Joe Biden e Al Gore, que o New York Times diz ser conhecido pela capacidade de gerir “crises políticas voláteis e de alto risco”.

Os receios já levaram ao encerramento de várias escolas, nos estados do Ohio e do Texas, porque alguns dos professores e alunos viajaram no mesmo avião que Amber Vinson, a segunda enfermeira do hospital de Dallas infectada com ébola, que fez uma viagem áerea entre aqueles dois estados já com febre – e com autorização do CDC, que tinha contactado previamente. Posteriormente, foi lançado um alerta para procurar as 132 pessoas que fizeram a mesma viagem.

Contagioso só com sintomas
Uma sondagem da Fundação Kaiser Family mostra que 70% dos americanos estão a prestar atenção às notícias sobre ébola – mas apenas 36% compreende que só a doença só é transmissível quando a pessoa infectada já está a ter sintomas.

A verdade é que o facto de esta ser uma doença negligenciada, pouco estudada até agora – apenas surgia esporadicamente, em locais isolados no centro de África –, dificulta a passagem de uma mensagem clara. Outra sondagem, da Escola de Saúde Pública de Harvard, concluía que 85% das pessoas pensa que se pode apanhar ébola se uma pessoa com sintomas espirasse ou tossisse para cima delas. Ora, tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) como os Centros de Controlo e Prevenção das Doenças (CDC) consideram possível que o vírus se espalhe desta forma; só que a OMS sublinha “não ter conhecimento de estudos que documentem esta forma de transmissão.” Além do mais, tosse e espirros não são sintomas comuns de quem tem ébola – não é uma doença respiratória, como a gripe, nem o vírus é transmitido pelo ar.

Não é só nos EUA que este pânico público se espalhou. Aconteceu o mesmo em Espanha, o único outro país onde há um caso confirmado de ébola contraído fora de África – o da auxiliar de saúde Teresa Romero, que ajudou a tratar dos religiosos que contraíram a doença na Libéria e na Serra Leoa. Ela está a melhorar, e o hospital Carlos III diz que é muito provável que fique curada. No entanto, uma jornalista da AFP relata que é muito difícil conseguir um táxi nas imediações do hospital – os motoristas temem que ela esteja contaminada.

O pânico do ébola está sempre presente entre os espanhóis, sublinha ainda a AFP: quem tiver um princípio de febre, vómitos, uma dor de barriga, uma simples tosse, qualquer mal-estar, mesmo que não tenha nada a ver com os sintomas de ébola, pode desencadear uma zaragata.

Mas as principais primeiras vítimas deste ambiente são os imigrantes ou cidadãos de origem africana.

Em Itália, foi activado um alerta sanitário na segunda-feira, quando um cidadão da Somália, que há dois anos não saía de território italiano, sangrou do nariz e se sentiu mal numas instalações dos serviços de imigração, onde se tinha dirigido para renovar os seus papéis. Na verdade, diz a AFP, teve uma crise de epilepsia.

O director de uma escola primária em Inglaterra cancelou um programa de intercâmbio de professores com o Gana, depois de os pais terem ameaçado não enviar os seus filhos às aulas. Mas o Gana não tem quaisquer casos de ébola.

Ainda na segunda-feira, uma esquadra nos arredores de Paris ficou em isolamento quando um homem lá entrou, e disse que tinha vindo da Nigéria e estava com vómitos. Mas tinha regressado há três meses – muito para além do período de incubação do vírus do ébola, que é de apenas 21 dias.

Africanos = vírus
Estes casos são quase anedóticos, mas há episódios mais graves. A embaixada da República do Congo viu o aluguer de um edifício ser recusado em Paris “por causa da epidemia de ébola” pela empresa Docks. A embaixada emitiu um comunicado em que se “espanta com a razão invocada, chocante e irresponsável, que estigmatiza toda a comunidade africana em França”. Este país não está afectado pela epidemia.

Nos Estados Unidos, a histeria do ébola assume um rosto mais pessoal. Alphonso Toweh, um escritor liberiano que está de visita a capital norte-americana, contou ao jornal The Washington Post que o homem que estava sentado ao lado dele num autocarro lhe perguntou, educadamente, de onde é que ele era. Quando lhe disse que era da Libéria, ele levantou-se. “Não queria ficar perto de mim. Quando sabem que és liberiano, as pessoas acham que temos o vírus, o que não é o caso”, assegurou.

Washington D.C. é uma zona com uma grande comunidade de imigrantes dos países africanos afectados pela epidemia de ébola – 10 mil da Serra Lea e 6000 da Libéria, segundo o último censo. Agora, queixam-se de que as pessoas recusam-se a apertar-lhes a mão. Fulminam-nos com os olhos se tossirem.

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