Painel que aconselha Obama sobre privacidade desfere maior golpe contra espionagem da NSA

Comissão independente nomeada pelo Congresso é a primeira a considerar que a recolha de informações sobre chamadas telefónicas em larga escala é ilegal e deve ser travada.

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Barack Obama anunciou reformas, mas defendeu validade da recolha de informações sobre chamadas telefónicas Mark Wilson/AFP

É um dos mais fortes ataques ao programa de espionagem em larga escala da Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana e partiu do círculo de conselheiros do Presidente Barack Obama. A comissão independente responsável por fiscalizar o equilíbrio entre as leis antiterrorismo e as liberdades cívicas, criada ainda na Administração de George W. Bush, defende que a recolha indiscriminada de informações sobre chamadas telefónicas é ilegal e deve ser travada imediatamente.

A conclusão do Painel de Supervisão da Privacidade e das Liberdades Cívicas (PCLOB, na sigla original) é explicada num relatório de 238 páginas, revelado nesta quinta-feira pelos jornais The Washington Post e The New York Times e apresentado ao Presidente norte-americano dias antes do anúncio sobre a reforma das actividades da NSA, feito na semana passada.

Pressionado por quase oito meses de divulgações sobre os programas de espionagem a partir de documentos obtidos pelo analista informático Edward Snowden, Barack Obama anunciou que vai introduzir alterações aos métodos da agência e que vai pedir ao Congresso que aja no mesmo sentido, mas deixou claro que o essencial da questão – a recolha de metainformação sobre o maior número possível de chamadas telefónicas, em todo o mundo, a qualquer momento, mesmo que envolva pessoas inocentes – não será posto em causa.

Esta abordagem, defendeu o Presidente norte-americano, não só é legal como ajudou a manter os Estados Unidos a salvo de um novo 11 de Setembro, ao permitir "juntar as peças" do verdadeiro quebra-cabeças que é travar um plano terrorista a tempo de evitar milhares de vítimas.

A defesa da recolha de informação sobre chamadas telefónicas (como a localização e a duração das chamadas, por exemplo, e não o seu conteúdo) tem-se baseado na sua suposta relevância para o combate ao terrorismo, mas o relatório do PCLOB vem pôr em causa essa tese, sendo muito mais crítico do que a comissão de peritos nomeada pelo Presidente Barack Obama para sugerir alterações aos procedimentos da NSA.

Depois de terem analisado 12 casos apresentados pelos serviços secretos como exemplos de que a recolha indiscriminada de informações sobre chamadas telefónicas é fulcral para travar planos terroristas, os membros do painel chegaram a uma conclusão que fica longe da habitual área cinzenta do compromisso entre privacidade e segurança: "Não identificámos uma única situação que envolveu uma ameaça contra os Estados Unidos em que o programa de registos de chamadas telefónicas tenha feito uma diferença concreta no resultado final de uma investigação sobre contraterrorismo."

Indo mais além, os membros do painel dizem que não encontraram nenhuma indicação de que o programa da NSA tenha "contribuído directamente para a descoberta de um plano terrorista anteriormente desconhecido ou para frustar um ataque terrorista".

Por isso, defende o PCLOB, ao recolher e guardar o maior número possível de registos telefónicos, o programa levanta "preocupações constitucionais", porque é impossível não registar também "as relações estabelecidas entre indivíduos e grupos políticos, religiosos e com outros fins expressivos".

Apesar de todo o painel concordar com a maioria das críticas a este programa em particular – o da recolha de informações sobre chamadas telefónicas sem qualquer critério em relação aos visados –, a ilegalidade das actividades da NSA e o seu fim foram defendidos por uma maioria de três em cinco membros. Votaram vencidas Rachel L. Brand e Elisebeth Collins Cook, que fizeram parte do Departamento de Justiça dos EUA durante a Administração Bush. A favor votaram o presidente do painel, David Medine, antigo membro da Comissão Federal de Comércio na era Clinton; Patricia M. Wald, uma antiga juíza do tribunal federal de recurso, nomeada pelo então Presidente Jimmy Carter, do Partido Democrata; e James X. Dempsey, da organização sem fins lucrativos Center for Democracy and Technology.

Em causa está a Secção 215 do Patriot Act – a lei aprovada na sequência dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, durante a Administração Bush, e cujos fundamentos foram mantidos por Barack Obama.

Para os membros do PCLOB, as informações obtidas através da intercepção do maior número possível de chamadas telefónicas (possível graças a uma polémica interpretação da Secção 215) "limita-se, em termos gerais, a corroborar informação obtida independentemente pelo FBI". Mesmo num dos casos mais citados pela NSA e pela Casa Branca para justificar a criação de programas como o Prism ou o Boundless Informant – o de Khalid al-Mihdhar, um dos terroristas do 11 de Setembro, cujas chamadas telefónicas a partir de San Diego, na Califórnia, não foram identificadas pelos serviços secretos –, o painel não encontra qualquer argumento favorável. "A falha na detecção da presença de Mihdhar nos Estados Unidos resultou, antes de mais, de uma falha na partilha de informação entre as agências federais, e não de uma falha nas capacidades de vigilância. Foi uma falha na junção das peças, e não uma falha na junção de peças suficientes", sentencia o painel.
 
 

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