Os massacres tornaram-se "rotina" nos EUA, denuncia Obama

Zangado e frustrado, Obama denunciou a também rotineira resposta dos legisladores ao problema das armas de fogo no país. No Oregon, o atirador perguntou aos alunos: "És cristão?"

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Vigília pelas vítimas do atirador do Umpqua Community College, em Roseburg JOSH EDELSON/AFP

Chris Mercer, o homem de 26 anos que atacou a tiro uma universidade do estado norte-americano do Oregon, e morreu no ataque em matou outras nove pessoas, era “tímido” mas “afável”, segundo escreveu o próprio num site de encontros amorosos. Alguns vizinhos, que falaram ao jornal The New York Times, disseram que era agressivo e ansioso, que não se dava com quase ninguém e usava sempre a mesma roupa, que parecia um uniforme militar. Já a mãe, segundo os vizinhos, comentou a dada altura que o filho estava a sofrer de “problemas mentais”.

Se este crime tivesse ocorrido há três anos, até mesmo há um, talvez o Presidente, Barack Obama, tivesse mencionado, na sua reacção, que uma pessoa como Mercer não deveria ter tido acesso a uma arma. Agora, Obama limitou-se a constatar o óbvio: "De certa forma, isto tornou-se rotina. A cobertura dos media tornou-se rotina. As minhas declarações aqui, neste palco, acabaram por se tornar rotina. E a resposta daqueles que se opõem a qualquer lei razoável sobre as armas acabou — também ela — por se tornar rotina."

Estava frustrado e zangado Barack Obama, que tentou alterar a legislação dos Estados Unidos no que respeita à posse de armas de fogo — a Constituição diz que todos podem ter uma. Em 2012, depois do massacre de Sandy Hook — 20 crianças mortas numa escola primária de Newton (Connecticut) por um jovem adulto de 20 anos e com problemas do foro mental mal diagnosticados e não tratados —, apresentou uma proposta legislativa para limitar essa posse. Pedia, por exemplo, que fosse obrigatório averiguar-se o passado criminal e a saúde do potencial comprador.

Mas a proposta foi chumbada no Congresso, rejeitada por representantes dos dois partidos, o democrata de Obama e o republicano na oposição. Foi "um dia de vergonha", disse Obama sobre o chumbo.

Antes de Sandy Hook tinha havido, por exemplo, Aurora, onde 12 pessoas foram mortas numa sala de cinema. Seguiram-se dezenas de tiroteios: 13 mortos em Washington, três em Fort Hood (Texas), 13 numa igreja de Charleston, cinco em Atlanta, mais duas no Louisiana... À medida que as mortes se sucediam, alguns dos estados onde houve vítimas introduziram pequenas alterações nas suas legislações. Obama foi dizendo que não chegava, que é preciso mudanças a nível federal.

Mas como mostrou na quinta-feira à noite, ao reagir a mais um massacre numa escola, ele não pode fazer nada. "Também é rotina que alguém, em qualquer lugar, diga que eu pretendo politizar esta questão", desabafou. Em 2012, avançou com legislação apoiando-se também nas sondagens que dizem que a maioria dos cidadãos está receptiva à limitação do acesso às armas de fogo. Agora só disse, sem entusiasmo: "Pergunto às pessoas da América como é que poderemos fazer para que o nosso Governo mude a lei e salve a vida destas pessoas."

As estatísticas, divulgadas pelo Centro de Investigação para a Prevenção de Crimes, dizem que desde 2007 (Obama foi eleito em 2008 para o primeiro mandato) o número de americanos com armas de fogo aumentou 178% e que só no ano passado foram emitidas 1,7 milhões de novas licenças (no total existem 12,8 milhões). A taxa de crimes violentos subiu vertiginosamente.

Do outro lado da barricada nesta guerra pelas armas está a Associação Nacional de Armas (NRA na sigla inglesa), uma organização de grande peso político que não admite que se mude uma vírgula na lei. Desta vez, a NRA, abordada por alguns jornalistas, não quis comentar este novo massacre numa universidade. Mas foi o seu presidente, Wayne LaPierre, quem disse, após o crime de Newton, que "a única coisa que trava uma pessoa com uma arma é uma boa pessoa com uma arma".

Obama falou zangado, mas convencido de que acontecerá com este tiroteio numa faculdade — nesta "categoria", o mais mortífero foi o de 2007 no politécnico Virginia Tech, quando um estudante com problemas de depressão diagnosticados matou 33 pessoas — o mesmo que aconteceu com os outros. Será esquecido pelos legisladores e pelos media, depois de explorados todos os ângulos.

"És cristão?"
Esta sexta-feira, os jornais e televisões americanos tentavam perceber os motivos do crime de Chris Mercer, de quem foram encontrados perfis em várias redes sociais. Jornais e televisões diziam que havia nas suas publicações sinais de que era admirador do Exército Republicano Irlandês (e aqui sublinhavam que o seu pai, separado da mãe, é britânico), de grupos neonazis, até do jornalista que, há meses, matou dois colegas numa emissão ao vivo.

Anastasia Boylan estava na sala onde o atirador — que foi morto pela polícia — entrou, no Umpqua Community College, em Roseburg, e deu o seguinte testemunho ao pai, que o passou aos media, entre eles a CNN: "[Mercer] entrou e disparou imediatamente. Pelo que percebi, matou o professor à queima-roupa, com um só tiro. Outros ficaram feridos, ele teve tempo — não sei quanto tempo passou — para perguntar às pessoas, uma a uma, de que religião eram. ‘És cristão?’, perguntava. E disse: ‘Se és cristão, levanta-te. Se és cristão, dentro de um segundo vais conhecer Deus.’ E matava-as. E continuou a fazer isso."

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