ONU considera que ataques a russófonos da Ucrânia "não foram sistemáticos nem generalizados"

Comissariado para os direitos humanos pede ao Governo de Kiev medidas que tranquilizem minorias e denuncia perseguições a opositores à integração da Crimeia na Rússia. Moscovo critica duramente.

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Pró-russos em Donetsk, no Leste da Ucrânia ALEXANDER KHUDOTEPLY/AFP

Houve ataques à “comunidade etnicamente russa” no Leste da Ucrânia, mas “não foram sistemáticos nem generalizados”. E o ambiente que rodeou o referendo sobre a integração da Crimeia na Rússia, em Março, não permitiu uma escolha livre. São, uma e outra, conclusões do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, expressas num relatório divulgado nesta terça-feira.

O  relatório, que se segue a duas visitas feita no mês passado à Ucrânia pelo subsecretário geral das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Ivan Simonovic, analisa os acontecimentos ocorridos até 2 de Abril e apela às novas autoridades de Kiev para impedirem incitamentos ao ódio e respeitarem as minorias.

No Leste do país, onde a situação continua tensa – e os confrontos já custaram a vida a seis pessoas – o Alto Comissariado considera que, “apesar de ter havido alguns ataques” à minoria russófona, "não foram sistemáticos nem generalizados”. O relatório faz eco de “numerosas alegações” de que alguns participantes nos protestos antigovernamentais “não são da região” e parte deles vieram da Rússia.

Na Crimeia, onde ao efectivo controlo por pró-russos se seguiu um referendo que votou a integração da região autónoma ucraniana na Rússia, a preocupação do Alto Comissariado é com a minoria de origem ucraniana, com os tártaros e outras pequenas comunidades. O Alto Comissariado considera que “as fotografias dos protestos da Maidan [praça de Kiev onde decorreram as manifestações que levaram à queda do Presidente Viktor Ianukovich], histórias muito exageradas de perseguição de russos étnicos por extremistas ucranianos, e relatórios mal informados de que os extremistas iriam perseguir russos étnicos na Crimeia, foram usados para criar um clima de medo e insegurança que se reflectiu num apoio à integração”.

Historiando a crise ucraniana, o relatório aponta o “excessivo uso da força” pela Berkut, polícia especial de Ianukovich,contra manifestantes pacíficos concentrados na Maidan como factor que levou a uma “significativa radicalização do movimento de protesto” que causou a morte de 121 pessoas. Naquela fase ocorreram “graves violações de direitos humanos”, afirma o Alto Comissariado, que considera necessário investigar o alegado envolvimento do movimento extremista Sector Direito na morte de elementos das forças de segurança.

O Alto Comissariado considera igualmente – numa referência ao mesmo movimento – que a atitude de alguns partidos, grupos e indivíduos de “incitamento à discriminação, hostilidade e violência” e a “retórica nacionalista” observada durante os protestos da Maidan causou apreensão entre a minoria russa e pode ter tido um impacto nos posteriores desenvolvimentos da situação da Ucrânia. Mas considera que a o receio que causou é desproporcionado. Um exemplo mencionado de gesto de hostilidade para com a minoria russa foi a tentativa de tornar o ucraniano a única língua oficial. Este foi um gesto hostil para com a minoria russófona, mas a lei acabou por não ser assinada pelo Presidente interino, OleksanderTurchinov.

Na Crimeia foram recolhidas “alegações credíveis” de perseguições, detenções arbitrárias e tortura de activistas e jornalistas que não apoiaram o referendo de 16 de Março. Foram dadas como desaparecidas nessa fase sete pessoas, cujo paradeiro é desconhecido.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo reagiu, dizendo que o relatório da ONU é desequilibrado a favor de uma das partes e “politizado”, “parece falsificado para condizer com conclusões tiradas antes”. 

O Alto Comissariado para os Direitos Humanos considera necessário que a Ucrânia crie um mecanismo para envolver as minorias na tomada de decisão a todos os níveis do Governo, que contrarie o “discurso do ódio” e afaste os receios da minoria russófona de que o poder central não tenha em conta os seus interesses . “É indispensável que o Governo dê prioridade ao respeito pela diversidade, à participação de todos – incluindo as minorias – na vida política”, disse, já depois da divulgação do relatório, a Alta Comissária, Navi Pillay, citada pela AFP.

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