ONU admite que combate às drogas sofreu "sérios reveses" nos últimos anos

Experiência do Uruguai, o primeiro país a legalizar produção, distribuição e venda de cannabis, não deve criar "tendência".

Um campo de papoilas no Afeganistão
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Um campo de papoilas no Afeganistão Reuters
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Yury Fedotov e a rainha Silvia da Suécia à entrada do encontro em Viena Heinz-Peter Bader/REUTERS
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Um campo de coca num vale da selva amazónica Mariana Bazo/REUTERS
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Celebrações quando o Senado uruguaio aprovou a lei que legaliza a marijuana ANDRES STAPFF/REUTERS

Se a área de cultivo de planta da coca decresceu 26% entre 2007 e 2011, e o consumo de cocaína no seu maior mercado, o norte-americano, decaiu também abruptamente, o cultivo de ópio no Afeganistão, que produz 90% da substância que circula a nível mundial, atingiu “níveis recorde” em 2013. As Nações Unidas, que debateram o problema nos últimos dias, estão também preocupadas com o pico de violência relacionada com o tráfico na América Central e não consideram que o Uruguai, o primeiro país legalizar a produção, a distribuição e a venda de cannabis, esteja a influenciar outros países a seguir o mesmo modelo.

O balanço de um plano de acção das Nações Unidas implementado em 2009 para o combate às drogas mostrou que o problema do tráfico tem diminuído em algumas regiões do planeta e aumentado noutras, como revelou o director executivo do United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) em Viena. Iury Fedotov descreveu o combate dos últimos anos como tendo sofrido “sérios reveses”, entre os quais os dados sobre o cultivo de papoila no Afeganistão, mas também a expansão no mercado de “estimulantes sintéticos” e o “aumento alarmante de novas substâncias psicoactivas e do uso da cibertecnologia no tráfico de droga e na lavagem de dinheiro”.

A “vulnerabilidade” da África Ocidental e Oriental ao tráfico, bem como ao consumo, é outra das preocupações de Fedotov, que presidiu a dois dias de discussão sobre o plano de acção em que se ficou a saber que no mundo existem 27 milhões de consumidores de drogas considerados “problemáticos” e que anualmente ocorrem 210 mil mortes relacionadas com narcóticos. O tráfico e comercialização ilegal de drogas representa ainda 230 mil milhões de euros por ano.

Na declaração conjunta que finalizou o encontro que decorreu quinta e sexta-feira em Viena, o organismo reconheceu que “a oferta e procura global de narcóticos ilícitos e de substâncias psicotrópicas sob controlo internacional se têm mantido em grande parte estáveis nos últimos cinco anos”, com diferenças regionais e de tipo de drogas. Os ministros assinalam ainda “o desafio nascente do poliabuso de drogas em algumas regiões”, além de admitirem preocupação pelo facto de os “estimulantes tipo anfetamina continuem a ser um desafio sério e em evolução”.  

O director executivo do UNODC reconheceu que “não há uma resposta simples” à pergunta sobre se a comunidade internacional tinha ou não conseguido aplicar o plano de acção de 2009, tendo defendido uma abordagem equilibrada com foco na prevenção e saúde pública, sugerindo mesmo que devem ser encontradas alternativas à penalização e a detenção de toxicodependentes e consumidores de drogas.

O diário espanhol El País cita um relatório de balanço destes cinco anos de plano que sugere que aquele organismo das Nações Unidas que diz que esta abordagem de prevenção e reabilitação é “mais eficaz”, criticando países que apostam “excessivamente nas sanções e encarceramento” e apesar de encontrar vários problemas na despenalização do consumo, como o aumento da disponibilidade e a queda dos preços, admite que a mesma liberta as prisões e permite a redistribuição de verbas para tratamentos.

No documento que encerrou o encontro em Viena, o UNODC diz estar atento às diferentes abordagens ao problema das drogas dos Estados-membros da ONU, mas considera que o exemplo uruguaio não será modelo. “Até agora, não vejo quaisquer outros países, ou grupo de países, que possam seguir o caminho tomado pelo Uruguai”, disse Fedotov, que já no início da semana tinha afirmado que a legalização não é uma solução para o problema das drogas no mundo. O responsável pelo gabinete da ONU acrescentou que, sendo difícil ter certezas, não acredita que o Uruguai crie “uma tendência” e voltou a criticar a inovação daquele país, considerando-a incompatível com as convenções internacionais de controlo de drogas como a de 1961 que enquadra o uso legal de cannabis nos fins medicinais ou científicos. 
 

   

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