Obama promete “um ano de acção”, com ou sem o Congresso

Discurso do estado da União com avisos aos republicanos.

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O mandato de Barack Obama na Casa Branca foi renovado em Novembro de 2012, mas quem ouviu o seu discurso do estado da União na noite desta terça-feira percebeu que só agora vai começar a segunda parte do jogo político nos EUA.

Ao fim de um ano em que algumas das reformas mais emblemáticas da sua Administração foram travadas ou postas a dormir no Congresso, o Presidente norte-americano resolveu deixar de lado os grandes apelos ao consenso e lançou um aviso ao Partido Republicano, abrindo as portas a um caminho assente na sua autoridade executiva: “Sempre que puder tomar medidas sem legislação, para proporcionar mais oportunidades a mais famílias americanas, é isso que farei.”

Grande parte do discurso de Barack Obama perante o Congresso – o quinto desde que foi eleito, em 2008 – foi dominado pelas questões económicas, mais concretamente pela denúncia do alargamento do fosso entre os mais ricos e os mais pobres.

“Os que estão no topo nunca estiveram tão bem. Mas os salários médios pouco se alteraram. A desigualdade aumentou. A mobilidade ascendente estagnou. O facto é que, mesmo no meio da recuperação, demasiados americanos estão a trabalhar mais do que nunca apenas para sobreviverem. E muitos outros não estão sequer a trabalhar. A nossa função é reverter estas tendências”, disse Obama.

Para cumprir esses objectivos, prometeu que 2014 será “um ano de acção” – nem que para isso tenha de contornar o Congresso através da assinatura de ordens executivas. O primeiro exemplo já tinho sido avançado pelos meios de comunicação social horas antes do discurso, mas o Presidente norte-americano carimbou-o perante o país, ao anunciar o aumento do salário mínimo para os funcionários de empresas com contratos com o governo federal. É uma medida com efeitos limitados, que vai abranger apenas os novos contratos, e só a partir de 2015 (num total estimado em “várias centenas de milhares de pessoas”, de acordo com números avançados pelo The New York Times), mas simboliza o grito de independência em relação ao Congresso que Barack Obama quer assumir como principal estratégia na contagem decrescente para o fim da sua estadia na Casa Branca.

Discurso de 65 minutos
Mas o facto é que um ano depois de ter lançado o desafio para que o salário mínimo fosse aumentado em todos os sectores, durante o discurso do estado da União de 2013, o silêncio do Congresso nos meses que se seguiram foi agora interrompido por uma ordem executiva. É esta a mensagem que a nova Casa Branca quer fazer passar e foi esta a mensagem que Obama não se cansou de repetir nos 65 minutos que durou o seu discurso, com constantes puxões de orelhas aos republicanos, que dominam a Câmara dos Representantes e que têm reais hipóteses de passar a controlar também o Senado nas eleições intercalares de Novembro.

“A pergunta que deve ser feita a todos os que estão nesta câmara, lembrando todas as decisões que tomámos neste ano, é se vamos apoiar ou travar este progresso”, disse o Presidente norte-americano, depois de elencar aquilo que considera terem sido as principais vitórias da sua Administração: a melhoria dos índices de sucesso escolar; “os mais de oito milhões de empregos criados nos últimos quatro anos”; a redução do défice para metade ou o facto de os EUA terem passado a produzir mais petróleo do que a importar pela primeira vez em 20 anos.

A nova estratégia da Casa Branca, conhecida como a “estratégia da caneta e do telefone”, por assentar em ordens executivas e acções no terreno junto de empresários e outros actores da economia norte-americana, foi prontamente contestada pelo líder da maioria republicana na Câmara dos Representantes, John Boehner. “Vamos estar muito atentos, porque há uma Constituição que todos jurámos, incluindo ele, e cumprir a Constituição é algo básico para os republicanos na Câmara dos Representantes”, disse.

Outros republicanos, como Lynn Jenkins, eleita para a Câmara dos Representantes pelo estado do Kansas, foram ainda mais contundentes, dando a entender que se é guerra que Barack Obama quer, então é guerra que o Presidente norte-americano vai ter. Para que 2014 seja realmente um ano de acção, avisou Jenkins, citada pelo jornal The Hill, Obama “tem de largar a caneta e o telefone” e trabalhar com o Congresso, para fazer dos EUA “o grande país que pode vir a ser”.

Fortalecer e criar novas oportunidades à classe média
Apesar dos esperados apelos ao consenso no Congresso, Barack Obama foi mais assertivo do que nunca quando recordou que o Presidente pode fazer algo mais do que apenas esperar pelo resultado das discussões na Câmara dos Representantes e no Senado. E anunciou “um conjunto de medidas concretas e práticas para acelerar o crescimento, fortalecer a classe média e construir novas escadas de oportunidade na classe média”. Sempre com o aviso: “Algumas dependem da acção do Congresso, e eu estou ansioso por trabalhar com todos vós. Mas a América não fica parada – e eu também não ficarei.”

Ao Congresso, voltou a pedir que tape alguns dos “buracos” na política fiscal, nomeadamente com a aprovação de uma descida dos impostos para as empresas que criam postos de trabalho nos EUA; e que reverta os cortes no sector da investigação tecnológica, para “soltar a próxima grande descoberta americana”.

A defesa de leis de protecção ambiental e a aposta nas energias renováveis, também como meio para a criação de postos de trabalho, levaram a uma das declarações mais contundentes da noite, sobre um tema que continua a dividir os cidadãos americanos. “A mudança para uma economia baseada numa energia mais limpa não vai acontecer de um dia para o outro, e será preciso fazer escolha difíceis. Mas a discussão está arrumada. As alterações climáticas são um facto.”

Aprovar reforma da imigração
Tal como no ano passado, Barack Obama voltou ao tema da reforma da lei da imigração, uma das poucas que caminha no sentido de um entendimento com os republicanos, apostados em não alienar o voto latino em ano de eleições intercalares. Tal como no ano passado, ficou o apelo: “Vamos aprovar a reforma da imigração este ano.”

A aposta na melhoria da qualidade da educação nos primeiros anos de vida, o apelo à extensão do período de subsídio de desemprego e o reforço da ideia de que os EUA recompensam quem se esforça foram ilustrados com exemplos sentados nas cadeiras da Câmara dos Representantes. Num deles, Obama arrancou as primeiras gargalhadas à assistência.

“Milhões de americanos que não vivem em Washington estão fartos destes argumentos políticos ultrapassados. Eles acreditam, e eu acredito, que o sucesso não deve depender de um acaso de nascimento, mas da força da nossa ética de trabalho e do alcance dos nossos sonhos” – foi assim, disse Obama, virando-se para o republicano John Boehner, que “o filho do dono de um bar se tornou speaker da Câmara dos Representantes”.

Para além do aviso de que vai agir sozinho sempre que o Congresso não o quiser acompanhar, Barack Obama salientou também o que considera ser os méritos da reforma da saúde, em particular o facto de que “nenhum americano vai voltar a perder ou a ver-lhe negado um seguro por causa de um problema de saúde pré-existente como a asma, dores nas costas ou cancro”.

Houve também uma referência à desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com o Presidente norte-americano a considerar “embaraçoso” que as mulheres continuem a ganhar menos em 2014: “Uma mulher merece um salário igual por um trabalho igual. Merece ter um filho sem sacrificar o seu emprego.”

Espionagem e Guantánamo no discurso
Passou rapidamente pelo escândalo dos programas de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla inglesa), para lembrar que ordenou uma reavaliação dos métodos da agência, e voltou a pedir ao Congresso que “levante as restrições à transferência de detidos”, para que a prisão de Guantánamo seja encerrada.

No plano externo, salientou a aproximação do fim do envolvimento norte-americano na guerra no Afeganistão e prometeu continuar a lutar contra os grupos terroristas “em várias partes do mundo”, mas comprometeu-se a abandonar a política de “guerra permanente” dos EUA. Defendeu os méritos da sua diplomacia nas discussões sobre o programa nuclear do Irão, apelando ao Congresso que não aprove novas sanções antes de serem conhecidos os resultados práticos desses esforços; na destruição das armas químicas do regime sírio; e nas conversações israelo-palestinianas.

O momento mais emotivo ficou guardado para o fim, com a história do sargento Cory Remsburg, que ficou gravemente ferido na explosão de uma bomba artesanal no Afeganistão. Sentado ao lado de Michelle Obama, Remsburg foi aplaudido de pé durante cerca de um minuto e meio e o seu caso serviu de metáfora para um último apelo à união. “A América que queremos para os nossos filhos – uma América em ascenção onde há trabalho honesto em abundância e onde as comunidades são fortes; onde a prosperidade é partilhada e as oportunidades deixam-nos ir até onde os nossos sonhos nos levarem – nada disso acontece com facilidade. Mas se trabalharmos em conjunto; se evocarmos o que de melhor há em nós, com os pés bem assentes no presente mas com os olhos direccionados para o futuro, eu sei que está ao nosso alcance.”

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