Obama demite chefe do Pentágono com os olhos no Estado Islâmico

Chuck Hagel termina “mandato de transição”, disse Obama. Republicanos pedem uma redefinição da política externa norte-americana.

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Chuck Hagel foi nomeado secretário de Estado da Defesa em Fevereiro de 2013 Brendan SMIALOWSKI/AFP

O secretário de Estado da Defesa norte-americano, Chuck Hagel, apresentou esta segunda-feira a sua demissão, pondo fim a um mandato de quase dois anos pontuado por divergências com a Casa Branca e que pode ser o prenúncio de mudanças na estratégia militar dos EUA.

A notícia foi avançada, em primeiro lugar, pelo jornal The New York Times, que citava responsáveis da Administração do Presidente, Barack Obama. A confirmação surgiu horas mais tarde, através de uma conferência de imprensa na Casa Branca, em que Obama elogiou o trabalho de Hagel à frente do Pentágono, que definiu como "um período de transição". "Depois de guiar a Administração durante este período de transição, o secretário da Defesa disse que tinha chegado o tempo de terminar a sua missão", disse o Presidente norte-americano.

Nos 21 meses em que esteve no cargo, Hagel – um ex-senador republicano e condecorado veterano da Guerra do Vietname – teve que gerir uma reestruturação das forças armadas em virtude de cortes orçamentais e liderou o processo de retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão. Este foi o “período de transição” para que Hagel foi escolhido e, agora, Obama, a entrar nos últimos dois anos da sua presidência, quer apontar a outras prioridades, nomeadamente a ameaça do Estado Islâmico na Síria e no Iraque.

As diferenças na forma como o grupo jihadista era encarado pelo Presidente e pelo seu secretário de Estado da Defesa começaram a emergir em Agosto. Numa entrevista, Hagel referiu-se ao Estado Islâmico como “uma ameaça que vai além de tudo o que já vimos”, contrariando a visão de Obama, manifestada alguns meses antes, que comparou o grupo a uma equipa de basquetebol amadora.

A imprensa norte-americana nota a forma como nos últimos meses Hagel foi cedendo espaço neste dossiê a outras figuras mais próximas de Obama, como o secretário de Estado, John Kerry, ou o chefe do Estado Maior do Exército, Martin Dempsey.

Esta é também a primeira grande mexida em titulares de cargos relevantes de Obama após a derrota dos Democratas nas eleições intercalares para o Congresso – que ditou a perda da maioria no Senado e o aumento da maioria Republicana na Câmara dos Representantes.

Apesar do tom cordial da conferência de imprensa em que a demissão foi anunciada e da garantia da Casa Branca de que a saída de Hagel foi fruto de um “consenso mútuo”, a imprensa norte-americana fala num secretário da Defesa sob pressão para abandonar o cargo. As críticas vão sobretudo para o perfil secundário que Hagel assumia durante as discussões na Casa Branca; os defensores do secretário demissionário referem a dificuldade que Hagel teve em penetrar no círculo restrito dos conselheiros de Obama para a política externa – centralizada na Administração presidencial.

No entanto, a demissão nunca pareceu estar no horizonte de Hagel, diz o NYT, que cita membros da sua equipa. Numa entrevista recente à cadeia PBS, Hagel disse não ter preocupações acerca da confiança que Obama ainda depositava em si. “Terão que lhe perguntar”, disse na altura o ex-senador do Nebrasca.

Um mandato conturbado

O início do mandato de Hagel foi, desde logo, marcado pela instabilidade. A sua confirmação foi adiada por meses de um debate cerrado no Senado, que acabou por aprová-lo com 58 votos a favor e 41 contra – a margem mais reduzida numa nomeação para o Pentágono. Os colegas Republicanos nunca lhe perdoaram as ferozes críticas que fez à intervenção norte-americana no Iraque durante a presidência de George W. Bush, apesar do seu voto a favor enquanto senador. A oposição de Hagel à possibilidade de um bombardeamento sobre o Irão esteve igualmente sob fogo.

A participação na Guerra do Vietname, onde liderou uma divisão de infantaria, marcou a posição de Hagel, conferindo-lhe uma aversão a intervenções armadas – que defendia só deverem ser equacionadas em último recurso. Se Obama pretende alargar os esforços militares contra o Estado Islâmico, alguém como Hagel poderia não ser a pessoa mais indicada para liderar o Pentágono. “O seu estilo lânguido (…) deixou-o vulnerável às críticas daqueles que defendem uma estratégia militar mais agressiva”, escreve a revista Time.

Entre os nomes mais apontados para substituir Hagel, a imprensa norte-americana destaca Michèle Flournoy, ex-sub-secretária para as políticas de Defesa no primeiro mandato de Obama, e que poderia ser a primeira mulher a dirigir o Pentágono. Flournoy é actualmente a directora do Center for a New American Security, um think-tank não partidário que, segundo o Washington Post, tem inspirado muitas das políticas de segurança nacional de Obama.

O actual vice-secretário de Estado da Defesa, Robert Work, e o ex-vice, Ashton Carter, são outros dos potenciais nomeáveis por Obama.

Independentemente de quem seja o escolhido, é provável que o processo de confirmação volte a ser tortuoso. Obama deverá tentar obter a nomeação antes da tomada de posse do novo Congresso, mas a maioria republicana na Câmara dos Representantes poderá tentar atrasar o procedimento. O líder republicano, John Boehner, já fez questão de ditar os termos do debate: “Esta mudança de pessoal deverá ser parte de uma maior redefinição da nossa estratégia para enfrentar as ameaças externas, especialmente a ameaça imposta pelo aparecimento do ISIS” [sigla pela qual é também conhecido o Estado Islâmico].

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