Obama não hesitará actuar na Síria para "destruir" o Estado Islâmico

A memória dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 paira sobre o anúncio de uma nova operação alargada de contraterrorismo dos Estados Unidos no Médio Oriente.

Obama falou ao telefone com o rei Abdullah da Arábia Saudita antes de discursar à nação
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Obama falou ao telefone com o rei Abdullah da Arábia Saudita antes de discursar à nação AFP/Jim Watson
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Obama durante o discurso à nação Saul Loeb/Reuters

Os Estados Unidos assinalam nesta quinta-feira o 13º aniversário dos atentados terroristas em Nova Iorque e Washington, já não sob a ameaça da Al-Qaeda de Osama Bin Laden, mas com a perspectiva de um novo duelo prolongado contra os extremistas do Estado Islâmico (EI) instalados no Iraque e na Síria – e que numa “mensagem à América” já decapitaram dois jornalistas norte-americanos.

Numa declaração ao país na noite passada (madrugada desta quinta-feira em Portugal), o Presidente Barack Obama apresentou a estratégia nacional para “degradar, derrotar e por fim destruir” o Estado Islâmico, cuja violência e expansão põe em causa a segurança regional e mundial. E prometeu combatê-lo “onde quer que seja”.

Será uma operação “alargada” de contraterrorismo liderada pelos Estados Unidos, mas não uma “guerra global contra o terrorismo” como aquela que o seu antecessor George W. Bush declarou no rescaldo dos ataques às Torres Gémeas e ao Pentágono, em 2001.

Confirmando o que fora antecipado por fontes da Administração, o Presidente anunciou uma escalada militar, com a expansão da campanha de bombardeamentos aéreos contra alvos e posições dos islamistas, actualmente em curso no Iraque, também para a Síria – um teatro de guerra que os EUA procuraram até agora evitar.

“Não hesitarei actuar contra o EI na Síria como no Iraque”, disse, num discurso de quase um quarto de hora. Não foi divulgado o calendário da operação: “Não vamos anunciar as nossas acções antecipadamente”, declarou.

Fora de causa está o envio de tropas norte-americanas para combaterem no solo. Obama anunciou o envio de 475 novos conselheiros militares para o Iraque, o que aumentará para cerca de 1600 o número de militares ali colocados. A sua missão será mais activa no apoio as forças curdas e iraquianas em termos de armamento, formação e informações.

O Presidente referiu-se também ao pedido que já tinha feito ao Congresso para o estabelecimento de um programa para o treino e equipamento dos rebeldes sírios moderados, no valor de 500 milhões de dólares (388 milhões de euros), na Arábia Saudita.

Há precisamente um ano, Obama falou sobre os riscos colocados pela guerra na Síria, Na altura, a preocupação do Presidente era o eventual recurso às armas químicas por parte do líder sírio Bashar al-Assad – essa seria a linha vermelha que forçaria uma intervenção militar que a Administração claramente não desejava. Mas perante a deterioração da situação no terreno, com o esbatimento das fronteiras e a livre circulação dos militantes islamistas entre os dois países, não resta alternativa que não alargar a ofensiva para atingir os refúgios do EI dentro da Síria.

A campanha terá necessariamente uma ambição e agressividade que vai para além da protecção dos interesses americanos, como aconteceu por exemplo na defesa da barragem de Mosul, ou do apoio humanitário, que foi o caso da missão de resgate dos refugiados yazidis. As diferenças são ainda formais: até agora, o Exército americano actuou “a pedido” das autoridades do Iraque, mas não é de esperar qualquer cooperação com o regime sírio.

O discurso de Obama à nação foi precedido por um encontro, na terça-feira, com os líderes políticos de ambas as câmaras do Congresso, que ficaram a conhecer em primeira mão o plano da Administração. A Casa Branca alega que a operação militar no Iraque e na Síria não equivale a uma guerra e por isso não se adequa aos parâmetros constitucionais que atribuem exclusivamente ao Congresso o poder de autorizar o uso da força contra um inimigo declarado. No final do encontro, a presidência descreveu a conversa como produtiva, e instou o Congresso a “tomar as suas próprias medidas [para combater os extremistas], demonstrando ao mundo que o país está unido no seu propósito de derrotar esta ameaça”.

A campanha militar lançada por Obama contra o EI não merece a oposição dos legisladores: as únicas críticas, vindas dos chamados “falcões” da bancada republicana, têm a ver com a renitência do Presidente em mobilizar tropas e avançar com uma ofensiva terrestre na região. Obama, que foi eleito com a promessa de “terminar responsavelmente” as guerras do Iraque e do Afeganistão, tem repetido que esse cenário não voltará a colocar-se. “Passei os últimos quatro anos e meio a trabalhar para pôr fim a guerras”, sublinhou.

Kerry viaja de surpresa para Bagdad
Em antecipação do discurso de Obama, o secretário de Estado, John Kerry, referiu-se na terça-feira à outra componente da estratégia dos EUA: o estabelecimento de uma coligação internacional para o combate ao EI, na qual diferentes países assumirão diferentes papéis e responsabilidades – políticas, financeiras e militares.

Kerry iniciou em Bagdad uma nova ronda regional de contactos, com paragens na Arábia Saudita e Jordânia. A visita ao Iraque não foi previamente anunciada: a “surpresa” teve como principal objectivo demonstrar o apoio dos EUA ao novo Governo de unidade nacional formado pelo primeiro-ministro Haider al-Abadi e aprovado pelo parlamento na segunda-feira à noite.

O governante norte-americano elogiou o gesto de partilha de poder do político xiita com as minorias sunitas e curdas – cujo afastamento nos anteriores governos de Nouri al-Maliki criou as condições para a crise política e ingovernabilidade do país, e abriu terreno ao avanço dos militantes do EI em função da desintegração do Exército nacional. A reforma militar, ouviu Kerry, está no topo das prioridades de Abadi: os EUA estão disponíveis para apoiar esse esforço, assegurou.

Além do Governo do Iraque, os EUA contam com o compromisso do Reino Unido, Canadá, Austrália, Dinamarca, Polónia, Itália, Alemanha e Turquia para formar uma “frente unida” contra o EI. A França já se prontificou a disponibilizar meios aéreos para apoiar a operação em curso no Iraque, mas nesta quarta-feira, em Paris, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, disse que uma intervenção na Síria envolveria outras “modalidades” que não os bombardeamentos aéreos. “Sabemos que é necessário actuar nos dois países, mas não pode ser da mesma forma”, explicou o governante, garantindo a ajuda do seu país à oposição da Síria “que combate o EI e Bashar al-Assad ao mesmo tempo”.

Al-Qaeda resiste
O facto de as atenções estarem agora voltadas para o combate ao Estado Islâmico não quer dizer que os EUA tenham ultrapassado o “trauma” do 11 de Setembro ou menorizado o perigo da Al-Qaeda: a organização terrorista comandada por Ayman al-Zawahiri, a partir das regiões tribais entre o Paquistão e o Afeganistão, está significativamente enfraquecida mas ainda resiste e conta com células activas na Líbia, Síria e no Sinai, e acaba de anunciar a criação de um novo ramo no subcontinente indiano.

Como escreve o site da CNN, Zawahiri seria um dos principais interessados no discurso desta quarta-feira do Presidente norte-americano: tal como Obama, também a Al-Qaeda está interessada em “exterminar o EI”, um grupo concorrente e com uma visão muito diferente do movimento jihadista global, para cujas fileiras estão a desertar muitos dos combatentes outrora fiéis a Bin Laden.

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