O último protesto de Atenas é o das empregadas de limpeza

Já ninguém sai à rua para se manifestar na cidade que já foi o símbolo de protestos – excepto as empregadas da limpeza que, todos os dias, entre tendas e cartazes, se manifestam ao lado do ministério que as despediu.

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A luva cor-de-rosa é o símbolo da luta pela reintegração das mulheres da limpeza Miguel Manso

Uma luva cor-de-rosa é o símbolo do último protesto de Atenas. “Despediram-nos porque achavam que não íamos protestar”, conta Sophia Tsagaropoulou, 59 anos, no meio de uma parafernália de imagens de luvas em punhos cerrados de luta ou a fazer o "V" vitória. Quem diria que um grupo de três dezenas de mulheres com mais de 40 ou 50 anos, muitas delas mães, mais ainda avós, iriam ser as resistentes de um movimento de protesto que praticamente morreu?

Sophia Tsagaropoulou, a única que fala inglês do grupo que está neste “turno”, tem uma história muito particular. Após estudar Economia na Universidade de Atenas, deixou o curso a meio e, depois de voltas de vida que afasta da conversa com um gesto redondo da mão, foi trabalhar para o ministério.

O que lhe interessa dizer aconteceu bem depois: em 2007, mais de 30 anos depois de ter deixado a universidade, decidiu voltar a estudar enquanto trabalhava, e acabou o curso. Não pode candidatar-se a uma mudança dentro da administração pública porque o emprego no Ministério da Economia era a tempo parcial, quatro horas. “Só se fosse oito horas é que podia”. Mas espera regressar ao trabalho – ou pela decisão do Supremo que ainda aguardam, ou pela eleição do Syriza “que prometeu que ia contratar de volta todos os despedidos”. E diz que ao voltar vai não só ter emprego de novo, como poderá ser mudada para secretária do Ministério da Justiça. “Mas agora não é isso o mais importante. O principal é que todas voltemos a ter o nosso emprego. É só isso que vemos à frente: voltar a ter o nosso trabalho, a nossa dignidade.”

Depois de ser despedida, sem meios para viver, Sophia voltou a ir viver para a casa dos pais, ambos com 85 anos e “felizmente, bem de saúde”. “Temos sorte porque eles têm a sua própria casa. Se não, não sei como seria.” Há muitas mulheres aqui com filhos e com netos, muitas famílias presas por uma fina corda do rendimento de um familiar; um ordenado de um filho, a reforma de um pai.

Risos e tricot
Agora é uma época melhor para o movimento das empregadas da limpeza. As mulheres que aqui estão tagarelam, riem, uma delas faz tricot. Está frio, mas elas não arredam pé. Até parece que têm uma sala de estar ao lado de uma das tendas: há uma televisão, um aquecedor, luz. “O sindicato da electricidade deixa-nos usar a deles”, diz Sophia com um sorriso maroto. “Estão solidários connosco.”

Nem sempre foi assim o ambiente por aqui. “Agora estamos mais optimistas. Mas a disposição tem mudado como uma montanha russa, ora muito alto, ora muito baixo.”

Já é muito tempo: desde Setembro de 2013, quando foram despedidas, que protestam ali. Primeiro durante umas horas por dia, gritando. Depois aguentando cargas policiais. Algumas foram presas por desobediência. Em vez de desistirem, acamparam.

Sophia veio todos os dias, com uma única excepção. “Só me lembro de uma vez que não estive cá. É bom para o coração e a cabeça.”

Isto numa altura em que já quase não há manifestações em Atenas: as montras das lojas nas principais ruas comerciais não são partidas após confrontos entre manifestantes e polícia, os caixotes do lixo estão inteiros e não derretidos pelas chamas, e é possível marcar hotel sem preocupação que o gás lacrimógeneo entre pelo quarto.

“O nosso caso é mesmo muito injusto”, diz Sophia. O ministério despediu-as para cumprir a quota de despedimentos no sector público e contratou, em vez delas, uma empresa privada. “Quem ganha com isto é a empresa privada, que cobra mais do que o ministério gastaria connosco e emprega imigrantes muito mais baratas, a um euro à hora ou algo do género.” Um tribunal de primeira instância já lhes deu razão e ordenou que fossem reintegradas, mas o Governo recorreu. Muitas já se reformaram entretanto. Espera-se uma decisão em Fevereiro – esteve programada para Setembro mas acabou adiada: “queriam deixar passar as eleições”, nota Sophia.

“Temos um caso forte, muito forte”, diz. Levadas por uma eurodeputada do Syriza, um grupo destas mulheres foi ao Parlamento Europeu expor o seu caso. Uma das mais conhecidas cantoras gregas, Havis Alexiou, deu um concerto segurando o microfone de luva cor-de-rosa na mão, na praça Syntagma, em apoio destas mulheres.

O acampamento tornou-se um local a ir, um ponto de encontro para contestatários na cidade. Há projecções de filmes sobre movimentos de contestação, sobre a ditadura, sobre mulheres.

Um thriller
Claro que a situação política é aqui seguida com especial atenção – o movimento recebeu especial apoio do Partido Comunista e do Syriza. O que se passa hoje na Grécia “é um thriller”, diz Sophia com os olhos a brilhar. “Vamos ver o que acontece. Porque as pessoas querem mudança, mas têm medo da mudança. Não sei se não chegam ao dia de votar e não acabam por votar no mesmo.”

Para alguém que estudou economia, Sophia não dá muita importância à questão do euro e de se a Grécia se mantém ou não na moeda única (alguns responsáveis europeus acenaram com essa possibilidade caso o novo Governo não cumpra os compromissos do anterior; o Governo do Syriza tem como prioridade renegociar a enorme dívida de mais de 170% do PIB). Para ela, é óbvio que vai ficar. Também não questiona com que verbas irá o partido cumprir outras promessas, como a reintegração dos trabalhadores despedidos ou o pagamento de electricidade e ajuda alimentar a quem não tem. “Um Governo do Syriza consegue encontrar dinheiro num imposto justo. Agora vamos ver se os poderosos deixam.”

Para ela era muito importante que o Syriza, que segundo todas as sondagens vai vencer, tivesse maioria absoluta (o que parece mais difícil). “Têm de ter muitas pessoas a votar neles para as pessoas do outro lado da fronteira perceberem que é isso mesmo que as pessoas querem.”
 

   

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