O turismo foi ferido, mas não morreu. Segue dentro de momentos

A indústria do turismo acredita que o Ocidente não prescindirá do direito a viajar, depois dos atentados em Paris. Mas está mais atenta e defende que mais a aposta nos serviços de investigação e inteligência do que no controlo das fronteiras. As rotas turísticas do mundo vão mudar? A resposta é não

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A indústria do turismo deve ter um papel mais activo na definição dos planos nacionais de segurança e na sua execução, defende a Organização Mundial de Turismo (OMT). “Exortamos os governos a incluírem as administrações de turismo no planeamento de segurança nacional e nas respectivas estruturas de execução e procedimentos”, diz Talef Rifai, o presidente deste organismo das Nações Unidas e cúpula do sector, em declarações ao PÚBLICO.

Esta declaração foi feita uma semana depois dos atentados de Paris, e ainda antes do Governo belga elevar ao escalão máximo as medidas de prevenção, impedindo grandes concentrações da população. Para Rifai, a segurança é, cada vez mais, um ponto-chave. “É um pré-requisito para o turismo”, lembra o mesmo responsável, para o qual o próprio turismo pode dar o seu contributo. “Para garantir não só que a [sua] exposição às ameaças é reduzida, mas também para assegurar que a [sua] capacidade para apoiar a segurança nos procedimentos de viagem é utilizada integralmente”, responde Talef Rifai, por escrito ao PÚBLICO.

Desde os atentados de Paris, o mundo tem vindo a assistir a sucessivos episódios susceptíveis de instalar o pânico. O fim-de-semana de segurança máxima em Bruxelas, e a caça ao homem que ainda não terminou, a queda do avião russo (desta feita, atingido pela Turquia), o atentado contra um autocarro da guarda presidencial na Tunísia. A Bélgica continua em alerta máximo, a França declarou o estado de emergência por três meses, os Estados Unidos lançaram um alerta mundial sobre os riscos de viajar para os cidadãos norte-americanos em todo o globo, por causa de "um aumento das ameaças terroristas”.

João Cotrim Figueiredo, presidente do Turismo de Portugal, defende que não é complicando a emissão e controle de vistos, nem cancelando a livre circulação permitida nos países europeus através do acordo de Schengen, que se impedem estas situações. “Os terroristas não ficam retidos nas fronteiras”, ironiza. Ou, dito de outra maneira, por Pedro Costa Ferreira, presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagem e Turismo (APVT): na verdade, os terroristas não vieram de fora, estavam cá dentro. “Consideramos, por isso, mais importante canalizar esforços no reforço dos serviços de investigação e de inteligência”, defende Costa Ferreira.

Se ainda é cedo para antever mudanças de fluxos turísticos (que aconteceram noutras ocasiões e geografias, nomeadamente, com a insegurança instalada nos países do mediterrâneo durante a chamada Primavera Árabe), nunca é tarde para chamar a atenção dos governos internacionais para o facto de que instaurar medidas de segurança é necessário, mas que estas não devem ser excessivas. 

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E com que pode esta indústria contar ao certo? Numa catástrofe natural seria mais fácil prever impactos, fazer contas, antever riscos de seguro. Com ameaças de atentados terroristas à escala global, e com o mapa dos países ameaçados a crescer em número, o cenário é outro. “Tudo depende dos acontecimentos nos próximos dias, semanas”, defende o presidente da APAVT, a organização que representa as agências de viagem e turismo em Portugal. “Se voltarem a acontecer atentados, e se se instalar a percepção de que esta é uma ameaça continuada, vai ser mais difícil recuperar. Mas recupera, com certeza”, afirma Pedro Costa Ferreira. 

A incógnita é até que ponto se vai perpetuar o clima de instabilidade e de insegurança. O caso só se torna verdadeiramente novo se a ameaça se instalar, continuada, persistentemente. “Creio, porém, que há valores que a civilização ocidental já tem como adquiridos, e um deles é a possibilidade de circular em segurança, é o direito a viajar. Não acredito que se prescinda disso”, argumenta Costa Ferreira, sustentando-se nas tomadas de posição quase automáticas que a sociedade civil parisiense foi divulgando, contra radicalismos, e desafiando os terroristas de que iriam prosseguir com a sua vida. 

“Não sabemos se foi uma reacção espontânea, ou de alguma forma politizada e que depois se generalizou. Mas é uma posição credível e minimiza os impactos que estas ocorrências podem ter”, concede Paulo Reis Mourão, director do mestrado em Economia Social (que integra a economia do turismo) da Universidade do Minho. “Não estamos a falar de ataques a blocos económicos, nem a tomadas de centros estratégicos. Aí os impactos seriam outros”, admite.

Cotrim Figueiredo, presidente do Turismo de Portugal, e com assento na assembleia geral daquela organização, sublinha ao PÚBLICO o exemplo que deu a própria OMT, mantendo a reunião do comité de ética em Paris, escassos seis dias após os atentados, “como forma de solidariedade, e não apenas por razões económicas, mas sobretudo como manifestação de solidariedade política, a dizer que vamos continuar”. 

Instado a tecer um cenário mais prospectivo sobre as alterações na indústria global, e eventuais mudanças de fluxos turísticos, o presidente da OMT diz que ainda é cedo para avaliar plenamente as consequências, mas lembra que experiências anteriores demonstraram que o impacto de tais acontecimentos sobre o turismo “tende a ser de bastante curta duração e limitado às áreas afectadas”. Por isso, não prevê que o “turismo mundial seja afectado de forma significativa”.

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As experiências anteriores
Nesta fase, em que a ameaça ainda está instalada, aquilo a que os operadores turísticos se podem agarrar é à experiência de casos anteriores, como a dos atentados em mecas turísticas como Bali, Tunes ou Sharm el-Sheik. A resposta imediata é uma quebra de receitas na ordem dos 60 a 70%, contabiliza Paulo Reis Mourão, o investigador da Universidade do Minho. No caso das ocorrências em capitais da Europa, ou em cidades como Madrid (alvo de um atentado da Al-Qaeda em 11 de Março de 2004 que fez 191 mortos) ou Londres (onde morreram 56 pessoas nos atentados bombistas de 7 de Julho de 2005 ), as quebras atingiram os 20 a 30%, e têm muito menor duração. “Recuperam-se em três ou quatro meses”, calcula o economista. 

Ou até mais rápido: após o ataque no início do ano, à redacção do Charlie Hebdo e a um supermercado judaico, as coisas em Paris normalizaram em três semanas.

Uma coisa são os impactos em destinos que estão muito dependentes de operações charter, como o Egipto — e, nesse caso, as agências trataram logo de arranjar camas em destinos alternativos”, recorda Costa Ferreira — ou onde o clima de instabilidade e terror está instalado. “Palmira, na Síria, teve quebras de 100%”, segundo Paulo Reis Mourão. Outros casos são destinos consolidados como Paris — desde há muitos anos o líder incontestado no ranking da cidade que mais visitantes estrangeiros recebe por ano, entre os 20 e os 30 milhões. 

Os impactos económicos de ocorrências como a de Paris, ou a de Bamaco, no Mali, medem-se em três dimensões, sintetiza: os prejuízos imediatos, consequência da destruição; em segundo lugar, o cancelamento de investimentos mais ou menos avultados; e em terceiro, e como consequência dos dois anteriores, os impactos em termos laborais e demográficos. Ainda é muito cedo para apurar todas estas dimensões. Os agentes culturais franceses estimam que sejam necessários 50 milhões de euros para fazer face aos prejuízos e às novas despesas de segurança. Para já, o fundo de urgência activado pela ministra da Cultura, Fleur Pellerin, dispõe de apenas quatro milhões de euros.

“Um atentado como o de Paris e o consequente clima de instabilidade que criou ao nível mundial não é bom para nenhuma actividade económica nem para nenhum destino turístico. Não há sinais de cancelamentos, mas o passado ensina-nos que o turismo, sendo uma indústria da paz, não beneficia com este enquadramento”, afirmou José Theotónio, presidente do grupo Pestana, um grupo hoteleiro português com unidades em várias cidades europeias, no Brasil e em Marrocos. 

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O que é normal e o que não é, então, após um atentado como o de 13 de Novembro? O normal é haver cancelamentos imediatos de viagem. “Nos dias seguintes, já sabemos, acontecem muitos casos de no-show. Os clientes simplesmente não aparecem”, sintetiza o presidente da APAVT. Na TAP, por exemplo, houve alguns cancelamentos nos dias seguintes, mas a norma foi manter as reservas. “Até porque vem aí o período de Natal e passagem de ano, os voos estão cheios e as pessoas não querem perder os lugares. E, para a TAP, o destino Paris não é apenas turístico”, esclarece André Serpa Soares, da comunicação da companhia aérea portuguesa.

Para já, é possível contabilizar uma quebra de 27% nas reservas de voos que têm Paris como destino. Este dado foi citado pelo Le Monde e apurado pela Forward Keys, uma empresa especializada que comparou o número de reservas na semana a seguir aos atentados com aquele que se registou na mesma semana, mas no ano de 2014.

O que Cotrim Figueiredo repudia de imediato é que se façam cálculos a possíveis oportunidades de Portugal ganhar quota de mercado, à custa de outros destinos. Admite que esse ganho de quota existiu, nomeadamente após a insegurança que se instalou nos países do Norte de Africa — mas minimiza-a a um crescimento de menos de 10%. “Não o desvalorizo, mas não são os mais relevantes. Temos tido taxas de crescimento na ordem dos 30% em volume e 40% em valor porque o destino Portugal tem sabido impor-se por si. Por ser um país seguro e hospitaleiro, claro. Sabemos fazer o nosso trabalho, saberemos ir buscar o nosso bolo”, terminou. 

O presidente do Turismo de Portugal recorda que atentados deste género se dirigem contra tudo aquilo que o turismo representa. “O turismo é cada vez mais uma manifestação de humanidade, de tolerância, de aproximação de pessoas e de culturas diferentes”.

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