O que ela andou para aqui chegar

Hillary Clinton assinou um pacto com a história, mas tem de torná-lo credível para os americanos.

O caminho foi longo, mas Hillary Clinton é oficialmente candidata à Casa Branca. A mesma Casa Branca onde acompanhou, como “primeira-dama”, os mandatos do marido, Bill Clinton, e onde enfrentou, com ele mas por causa dele, um escândalo extraconjugal que lhe ia arruinando o cargo e a carreira. A mesma Casa Branca onde esteve, como secretária de Estado de Barack Obama, o Presidente que chegou ao cargo derrotando-a na nomeação, nas escolhas do Partido Democrata. Nesses anos, ela foi sempre a “mulher do lado”, por muito relevante ou decisiva que tenha sido em diversos episódios da vida presidencial de Bill Clinton ou, depois, Barack Obama. Esta semana, porém, terminou com aquilo que é o corolário do seu esforço político e é também um passo rumo à história: Hillary Clinton tornou-se a primeira mulher candidata à Casa Branca por parte de um dos principais partidos dos Estados Unidos. Isto não quer dizer que ela seja a candidata certa ou ideal: muitos americanos ainda desconfiam dela, ainda acham que ela não fará mais do que prolongar passados (o de Bill, o de Obama), que não tem nada a oferecer em termos de futuro à América do século XXI. Porém, o tempo deste tipo de reflexões já passou. A presidência dos EUA será entregue, sem qualquer margem para dúvida, a Hillary Clinton ou a Donald Trump, o candidato republicano. E isto, sem qualquer dramatismo, será uma escolha entre dois mundos distintos. O de uma América desafiadora, autoconvencida, ignorante e em grande parte xenófoba, e uma América onde, para lá de eventuais fragilidades, espreitam rostos humanos, a começar pelos dos seus próprios líderes. Hillary, na convenção que a nomeou, foi dizendo que “durante todos estes anos de serviço público [o dela], a parte do ‘serviço’ foi sempre mais fácil do que o ‘público’”. “Percebo que as pessoas simplesmente não saibam o que pensar de mim.” E ela sabe que muitos pensam mal, ou pelo menos pensam com desconfiança. A oportunidade que tanto quis agarrar e que agora tem nas mãos é apenas o início. Hillary Clinton assinou um pacto com a história, mas tem de o tornar credível para os americanos. Para os que, na convenção, escutaram as suas propostas (e, ao contrário de Trump, ela não se eximiu a fazê-las no seu programa, divulgado em Filadélfia), mas também para os que, lá foram, descrêem ou desconfiam. Não será vantajoso tornar Trump num alvo sistemático (esse é o desejo dele, e só lhe trará vantagens), mas para conquistar os republicanos não bastará pedir-lhes que abandonem o seu candidato, é preciso sobretudo dar-lhes razões para votarem democrata, sentindo que esse voto não trairá as suas crenças originais. E esse será o equilíbrio mais difícil: tentar atrair os eleitores do Partido Republicano que abominam Trump ou simplesmente não se sentem ligados à sua candidatura e, ao mesmo tempo, contentar os apoiantes de Bernie Sanders, cujas medidas sociais ela já incorporou, parcialmente, no seu programa. Se Hillary souber gerir com tacto este difícil equilíbrio, terá a vitória assegurada. Hoje, ainda não a tem.

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