O plano B (e C e D e E e F e G)

É absolutamente crucial que as autoridades e as elites portuguesas se encontrem preparadas para desenvolvimentos surpreendentes e porventura dramáticos do cenário europeu e internacional.

1. Sou um convicto defensor de uma solução federal para a União Europeia (UE) e acredito que a presente crise só se vence com mais integração. Insisto, todavia, a cada passo e a cada novo arranjo do caleidoscópio europeu, na necessidade de estudar e considerar os riscos e ameaças que teimam em aparecer e até em agravar-se.

Um dos aspectos que mais me preocupa é o de Portugal – ao nível oficial (em especial, nas áreas dos Negócios Estrangeiros e da Defesa Nacional) e ao nível da reflexão académica e intelectual (em especial, nas Universidades e na produção doutrinal) – não estar a criar planos de contingência para uma panóplia de eventualidades que estão hoje no horizonte das possibilidades verificáveis. É absolutamente crucial que as autoridades portuguesas e que as elites portuguesas (universitárias, empresariais, religiosas, culturais) estejam cientes e se encontrem preparadas para desenvolvimentos surpreendentes e porventura dramáticos do cenário europeu e internacional. Estudar os cenários, debater as alternativas e organizar as possibilidades de resposta em nada convoca a lógica performativa das “self-fullfilling prophecies”.

2. O primeiro plano – o plano B – tem de lidar com uma possível saída da Grécia da zona euro. O governo grego não dá qualquer garantia de conseguir (ou talvez de querer) a manutenção na moeda única. As consequências de um êxodo grego, mais ordenado ou mais caótico, têm sido discutidas e prefiguradas em vários fóruns, em especial britânicos e alemães. Uns inclinam-se para um cenário muito negativo e dificilmente controlável; outros apontam para uma relativa turbulência que acabará por acalmar e ter efeitos positivos. De todo o modo, uma saída grega – tornada mais plausível nas últimas semanas – atrairá sempre atenções sobre Portugal. Muitos têm estudado o que sucederia a Portugal se saísse do euro, mas não exactamente o que nos aconteceria se Atenas – e só Atenas – deixasse a moeda única.

3. O segundo plano – o plano C – tem de considerar uma guerra, não “na”, mas “da” Ucrânia. Neste momento, não pode excluir-se que uma guerra europeia ou até uma III Guerra Mundial não tenha já começado. Só o futuro próximo e a distância poderão dizê-lo. Mas a deterioração da situação é enorme e pode contemplar uma anexação russa dos territórios que vão de Mariupol até à Crimeia e/ou que vão da Transnístria até Odessa (procurando eliminar o acesso marítimo da Ucrânia). Nada nos garante, por outro lado, que não haja uma intervenção nos bálticos para defesa das populações russas e russófonas ali estabelecidas. Se deflagrar uma guerra, que envolva a NATO, que fará Portugal? Que diálogo temos estabelecido até agora com os nossos aliados e, designadamente, com os EUA e o Reino Unido? Como conciliar a nossa posição prudente e distante, potencialmente neutral (enquanto extremo ocidental da Europa), com a posição dura e activa de alguns dos nossos aliados e, em especial, dos britânicos?

4. O terceiro plano – o plano D – liga-se à eventual mutação do mapa geopolítico peninsular. Não pode escamotear-se a desenvolução do processo eleitoral que decorrerá na Catalunha em Setembro. E não pode outrossim desvalorizar-se o resultado das eleições gerais de Novembro em Espanha. Se um partido como o Podemos – republicano, defensor da abolição da monarquia, e ambíguo quanto ao direito à independência da Catalunha ou do País Basco – vence as eleições, não está afastado o cenário de enorme perturbação social ou, pior, de desagregação acelerada da Espanha. Se o processo catalão derrapa, as tensões no nordeste da península podem exacerbar-se. Que estratégia temos para conviver com esta alteração radical de mais de cinco séculos da equação “uma península, dois estados”?

5. O quarto plano – o plano E – prende-se com o terrorismo fundamentalista islamita. Com o Estado Islâmico operacional no Magrebe, com a repetida vontade de estender o califado à península, com a ameaça de fazer atentados “low cost” com recurso a nacionais dos Estados vítimas, com o risco de atingir directamente símbolos religiosos (Fátima, por exemplo) e, sem pejo, em fustigar cidades médias, a pergunta é se continuamos na ilusão de uma eterna imunidade…

6. O quinto plano – o plano F – relaciona-se com as eleições britânicas e com os dois desafios que elas suscitam. Primeiro, a questão do referendo e de uma eventual saída da UE. Como deve Portugal encarar o êxodo britânico, que atingiria fatalmente o eixo atlântico da UE? Não deveríamos estar já a dialogar com a Irlanda, a Holanda, a Suécia e a Dinamarca, que partilham connosco uma perspectiva mais “marítima” e menos “continental” da Europa? Segundo, a reincidência do nacionalismo escocês. Os resultados do Scottish National Party e o seu papel na estabilidade governativa podem repor a questão da desagregação. E então teríamos os nossos dois mais importantes aliados, britânicos e espanhóis, à beira da implosão…

7. O sexto plano – o plano G – tem de contar com o advento e o triunfo dos populismos radicais, do Syriza na Grécia à Frente Nacional na França, passando por fenómenos idênticos na Holanda, Áustria, Hungria, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Itália, Espanha, Noruega e Suíça e, com menos força, na Alemanha, Bélgica e Polónia. E isto sem olvidar o UKIP – sempre convenientemente omitido pelos anglófilos lusos –, que é um dos mais perigosos partidos xenófobos europeus. O crescimento destes partidos nacionalistas, visceralmente anti-europeus, financiados por Putin (que aposta dedicadamente na desestabilização interna dos Estados-membros e da UE), pode mesmo pôr em causa a existência da União. E também essa hipótese, ainda que remota, não pode deixar de ser equacionada. Nem sequer por um europeísta. Corrijo: não pode deixar de ser equacionada sobretudo pelos europeístas…

Deputado Europeu (PSD) Vice- Presidente do Grupo Parlamentar do PPE; paulo.rangel@europarl.europa.eu

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