"O nosso país não está bem, Presidente. Os venezuelanos estão a matar-se"

Oposição política faltou à conferência de paz convocada por Maduro. Para esta quinta-feira foi convocada nova manifestação de estudantes em Caracas.

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Imagem da conferência de quarta-feira AFP

Adriana, uma advogada de 48 anos, saiu de casa cedo com os filhos, na terça-feira, para se juntar a uma barricada improvisada, num bairro de classe média de Caracas. Manifestar-se na rua, bater panelas, erguer barreiras, são formas que ela e milhares de venezuelanos encontraram nas últimas semanas para expressar “a frustração e o descontentamento” com a situação do país.

“Passamos horas nas filas para fazer compras e, principalmente, os meus filhos não estão em segurança”, explicou à AFP, no que pode ser um resumo dos motivos da contestação ao poder do Presidente, Nicolás Maduro, que irrompeu no último mês, alimentada pela penúria de bens e pela insegurança.

Andrés, 23 anos, um estudante que a agência ouviu noutro bairro da capital, um dos muitos que se têm empenhado no bloqueio de ruas com pneus, sucata e lixo, é também dos que acham que os problemas do país não têm apenas que ver com abastecimentos mas também com “a insegurança nas ruas e a repressão brutal contra os estudantes”, explicou na terça-feira, quando voltaram a ser erguidas barricadas e se repetiram confrontos entre jovens mascarados e forças de segurança em várias cidades.

Em Caracas, é nas zonas mais abastadas, onde a oposição colhe mais apoios, que a mobilização antigovernamental tem sido maior. É a classe média que tem estado na rua. Mas tanto Adriana como Andrés são de opinião que os pobres, junto de quem o regime chavista tem a sua base eleitoral, “também estão a sofrer”.

A Venezuela vive desde o início de Fevereiro uma vaga de contestação que já provocou pelo menos dezena e meia de mortos. Os protestos, inicialmente localizados e focados na insegurança, começaram após a tentativa de violação de uma estudante no campus de San Cristóbal, estado de Táchira.

Milhares de estudantes depressa se mobilizaram, no país com uma elevadíssima taxa de homicídio – 39 em cem mil habitantes, segundo as autoridades; 79, contrapõe uma organização não governamental. A contestação estudantil, a que a oposição política se associou, rapidamente passou a incluir na agenda a situação económico-social.  E depois a repressão.

As manifestações, em que têm participado dezenas de milhares de pessoas, foram-se sucedendo – para esta quinta-feira, dia em que passa o aniversário do Caracazo, revolta popular que em 1989 provocou centenas de mortos, foi convocada por estudantes mais uma, em Caracas.

O Governo respondeu com a mobilização de apoiantes para a rua e a prisão de líderes da contestação, incluindo o dirigente oposicionista Leopoldo López. Grupos de civis armados associados ao regime atacaram manifestantes em várias ocasiões.

Detenção de polícias

A violência na Área Metropolitana de Caracas e em oito estados do país motivou 55 detenções, segundo o jornal digital crítico do regime La Patilla, que cita fontes da procuradoria. Entre os detidos estão 11 elementos de diferentes corpos de polícia, suspeitos de violações de direitos humanos. Oito pertencem aos serviços secretos. Três outros membros de forças de segurança foram acusados  de agressões  a jovens.

Nicolás Maduro, sucessor do "pai" do regime, Hugo Chávez, tem atribuído a contestação a grupos fascistas. Nesta quarta-feira, dia em que houve notícia de protestos em 14 cidades, e se realizou uma conferência para o diálogo por si convocada, o Presidente avançou a camponeses concentrados no exterior do palácio presidencial, segundo a BBC, um número de mortos, mais de 50, que vai muito além dos dados oficialmente divulgados e que não explicou. Na segunda-feira, a procuradora-geral, Luisa Ortega, disse que na violência associada à contestação morreram 13 pessoas e a oposição quantificou o número em 15.

Henrique Capriles, candidato derrotado nas presidenciais do ano passado, justificou a falta de comparência da oposição política com a afirmação de que se tratou de um encontro “para a fotografia”. Embora tivesse boicotado o encontro, a oposição política admitiu dialogar, se houver mediação, nacional ou internacional.

O patronato, a Igreja Católica, intelectuais e jornalistas, além de deputados e governadores provinciais, principalmente membros do partido governamental, responderam ao convite. Ouviram Maduro falar no risco de escalada da violência e lamentar a ausência da oposição. Um dos participantes, Jorge Roig, ex-deputado e presidente da Fedecámaras, federação que agrupa empresários críticos do Governo, teve palavras de diálogo. “O nosso país não está bem, Presidente. Os venezuelanos estão a matar-se e isso é grave. O senhor tem a responsabilidade, como chefe do Estado, de acalmar os ânimos”, afirmou, citado pela AFP. “Cometemos erros e reconhecemos isto, mas vamos virar a página, a Fedecámaras não quer substituir qualquer Governo.”

O jornal El Nacional, também crítico, escreveu que o encontro passou ao lado dos assuntos mais prementes, como tortura, abusos e censura, e se focou em temas gerais, como a necessidade de criar condições para o desenvolvimento.

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