O mundo tem conserto

A Europa não é o Brasil, mas os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) estão a ganhar poder crescente.

Ébola e hepatite C. Duas doenças graves, letais ou incapacitantes. Não existem medicamentos testados e aprovados para o vírus ébola, não por falta de avanços científicos, mas porque não existe mercado que os adquira. O ébola ataca populações insolventes, de países pobres da África Ocidental. A situação de emergência sanitária levou à utilização de um medicamento (Zmap) ainda sem ensaios clínicos. Não é claro que o medicamento seja eficaz e seguro, desconhecendo-se efeitos colaterais possíveis. Nem sequer há em quantidade suficiente para as necessidades. Com o vírus da hepatite C o problema é diferente. Existe abundante mercado solvente. O contingente de infectados em países desenvolvidos é suficiente para tornar atraente o mercado e propulsionar investigação e produção. Os novos medicamentos para a hepatite C, entre eles o sofosbuvir (Sovaldi), é vendido a $1000 (799 euros) o comprimido, custando $84.000 um tratamento de 12 semanas. O medicamento tem registado eficácia superior a 90%. O custo é tão caro que mesmo as seguradoras dos EUA emitiram instruções aos médicos dos seus segurados para limitarem a prescrição apenas a certas categorias de pacientes. Na Europa a situação é de quase pânico financeiro nos sistemas de Saúde. O ministro francês da Saúde apelou a uma negociação europeia colectiva para se negociar (ou impor) melhor preço. Sem resultados aparentes, tendo cada Estado- membro comprimido a procura através de um tecto global de despesa, à espera de melhores dias. A empresa produtora vendeu no primeiro semestre deste ano 5 mil milhões de dólares do medicamento, sensivelmente mais de metade do orçamento do nosso SNS. A empresa propôs aos países de mais alta incidência do vírus, o Egipto e a Mongólia, um preço de $900 dólares por tratamento de 12 semanas, com a restrição de ser utilizado apenas no sector público. Para os cinco milhões de infectados do Egipto, o custo de $4,5 milhares de milhões representaria 2/3 do seu actual orçamento para a Saúde. Uma equação impossível.

Este tipo de comportamento empresarial provocou a decisão unilateral, tomada há anos pelo Presidente Lula e pelo ministro José Temporão, no Brasil, de romper com as obrigações de respeito pela propriedade intelectual de patentes em medicamentos contra o VIH, enfrentando a Organização Mundial do Comércio. O aparecimento de genéricos fez cair o preço de $10.000 para $100, o que permite ter em tratamento dez milhões de doentes. A Europa não é o Brasil, mas os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) estão a ganhar poder crescente.

A cabeça perdida. Metade do Governo continua de cabeça perdida. Na Educação valsam os professores, na pior abertura escolar de sempre. O ministério obriga os directores a celebrarem contratos com professores que o ministério depois viola, tirando o tapete aos seus próprios dirigentes. A ignorância do Governo sobre o que é a administração e o fervor ideológico para a ostracizar levou-o a entregar a uma consultora privada a selecção dos futuros responsáveis pela gestão dos fundos comunitários. Na Justiça, chega-se a admitir que um fantasma tenha gerado o crash informático, em quatro dias, entre um momento em que tudo parecia estar bem e outro em que a sobrecarga não preparada rebentou com o sistema. Segundo os jornais, no caso Tecnoforma, o primeiro-ministro estaria a sentir-se ameaçado por poderosos e obscuros interesses que ninguém identifica. Entretanto, quanto mais os media cavam no caso, mais discrepantes são as versões sobre pagamentos. A suposta superioridade moral do primeiro-ministro esfuma-se com os nevoeiros do Outono. Que diabo, ainda é cedo para o Governo atirar a toalha ao chão!

Gatos. Vi com deleite e emoção Os Gatos não Têm Vertigens do António-Pedro Vasconcelos (A.P.V.), com uma notável interpretação da Céu Guerra, acompanhada por dois notáveis actores em papéis secundários, o João Jesus e o Nicolau Breyner. História exemplarmente bem contada, diálogos em linguagem corrente, sem pudores nem excessos, carinho, respeito pelas pessoas e o tradicional bom gosto do A.P.V. no tratamento da cidade de Lisboa com seus telhados, suas barcas e seu rio. Mesmo descontando a aproximação afectiva com três seniores da minha geração, devo confessar que tive orgulho no produto conseguido. Adorei. Curiosamente, o filme recolhe notação anormalmente baixa da crítica estabelecida. Mosquitos por cordas, ou muito prosaicamente inveja e guerras de campanário?

Costa. Finalmente a vitória de António Costa no PS e fora dele. Correu tudo tão bem que no dia seguinte, faltando pecados para atribuir a Costa, foi necessário referir a “grave” omissão do nome de Seguro no seu discurso de vitória. Não vai ser sempre assim. A direita reagrupa-se depressa. Serão desenterrados esqueletos. O escrutínio a que as propostas de Costa serão submetidas contrastará com a leveza com que Passos foi tratado no seu tempo. Não haverá nem esponsais, nem lua-de-mel. Os próximos meses vão ser mais feios ainda do que os últimos quatro que Seguro impôs.

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