O exemplo da Ucrânia

Às vezes pergunto-me o que levou Viktor Ianukovitch, o último Presidente eleito ucraniano, a subitamente alterar o trajecto do seu país quando este parecia inclinado a aderir ao espaço económico europeu.

Nunca vi citada na comunicação social a possibilidade de ter sido o mau exemplo de solidariedade (de falta dela!) que ficou patente na forma como os países dominantes trataram os países periféricos, entre os quais o nosso, aquando do eclodir da dita crise da dívida soberana. Talvez Viktor Ianukovitch se tenha apercebido e sentido intimidado pela perspectiva de, a breve trecho, lhe poder suceder o mesmo…

Na verdade, um país na altura com cerca de 47 milhões de habitantes, com uma agricultura rica e uma indústria relativamente desenvolvida, mas, tal como a nossa, virada para a produção de bens de consumo, seria um espaço muito apetecível para poderosas economias europeias dedicadas essencialmente ao comércio internacional e à exportação de bens de equipamento e transporte, para os quais têm as condições necessárias: carvão e aço e dimensão crítica. Vale a pena, neste caso, rever os escritos de David Ricardo, judeu, filho de portugueses, na sua Teoria das Vantagens Competitivas.

Na verdade, era provável que a breve trecho a Ucrânia atravessasse um período de euforia, aumentos de salários radicais, seguidos da reacção habitual nestes casos: inflação galopante, desvalorização incontrolável da moeda… Enfim, o clássico.

Para acelerar o passo desta evolução previsível viriam as importações dos tais países hegemónicos, automóveis caros (e bons, certamente), TGV, maquinaria sofisticada destinada a melhorar a produção (que de nada lhes serviria, e vou já dizer porquê), encorajamentos a orgias de importações…

Por outro lado, o sucesso das suas exportações para a CE não estaria garantido. É certo que os salários são mais baixos na Ucrânia. Mas não tão baixos que possam competir com os do Extremo-Oriente, a quem os tais países dominantes abriram aprazivelmente as portas da Europa. “Et pour cause…”

Agora, os países da CE que, possivelmente, estão por detrás desta crise vão querer ajudar os nossos simpáticos, trabalhadores e inteligentes colegas ucranianos com dinheiro – muito.

Tudo certo. O pior é que algo me sussurra que nós, portugueses, também vamos ser chamados a participar nesse gesto de humanidade que eventualmente aumentará, em muito, as importações de bens de equipamento e transporte com proveniência da Europa Central e outros adquiridos na Ásia a preços muito baixos e revendidos pelas habituais grandes marcas internacionais. A nós não nos vai tocar nada.

Peço para reflectirem um pouco sobre isto que lhes deixo.

Industrial, accionista de uma empresa de capitais portugueses na Ucrânia

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