O equívoco estratégico de Tsipras

Reserve as sextas-feiras para ler a newsletter de Jorge Almeida Fernandes sobre o mundo que não compreendemos.

O governo de Alexis Tsipras iniciou as negociações com o Eurogrupo numa relativa posição de força. Entretanto, rompeu pontes, alienou virtuais aliados e uniu praticamente todos os parceiros numa frente comum liderada por Berlim. As negociações passaram a ser dominadas pela desconfiança. O referendo de hoje parece reflectir um enfraquecimento da posição de Atenas.

As razões da ruptura das negociações e do recurso ao referendo não são claras. Para alguns analistas, trata-se de uma jogada de Tsipras para evitar a implosão do Syriza por insanáveis divergências sobre as negociações. Para outros, optou por uma mobilização do povo grego contra a União Europeia (UE) na expectativa de inverter a relação de forças. Ao certo, apenas sabemos que Tsipras pediu um “não” maçiço para reforçar a sua mão negocial. É uma iniciativa de risco para a Europa, para a Grécia e para o próprio Tsipras. Nestas situações “à beira do abismo” os efeitos mais imprevisíveis não são os financeiros mas os políticos. Por outro lado, ganhe o “sim” ou o “não”, o chefe do Governo grego pode ver debilitada a sua posição. 

Uma estratégia ineficaz
Onde assentava a força negocial de Tsipras? Nos riscos que uma saída do euro implicaria para a UE, tanto em relação ao futuro do projecto europeu como pelas suas repercussões geopolíticas. “Desde o princípio que Alexis Tsipras pratica uma dissuasão “do fraco ao forte”, explica Yves Bertoncini, director do think tank Notre Europe-Institut Jacques Delors. “Pensa que ninguém na Europa ousará desencadear uma saída da Grécia da zona euro. O anúncio do referendo vai neste sentido, porque lhe permite manter aquela pressão.”

A dissuasão “do fraco ao forte” serviu de fundamento à estratégia nuclear do general De Gaulle. Sendo a França uma média potência, a posse de um arsenal nuclear, para lá do peso diplomático, foi assim justificada: a União Soviética não nos atacará porque seremos capazes de “matar 80 milhões de russos”. Para o Syriza, a ameaça de poder provocar a desintegração do euro seria a sua “bomba atómica”. 

O primeiro erro de Atenas terá sido sobrestimar os trunfos ou não perceber os seus limites. Começou por apostar numa inversão das opções da UE, tentando mobilizar a opinião pública europeia contra as “políticas de austeridade”. Depois pôs em causa as normas. Sigmar Gabriel, líder social-democrata alemão, definiu assim o conflito: “A diferença fundamental entre o Governo grego e todos os outros governos da zona euro não diz respeito (...) a detalhes da negociação mas reside no facto de Atenas querer modificar as condições de cooperação no seio da zona euro ou, pelo menos, ter o direito de não respeitar essas condições.” Acrescentou: “A ideologia ou a política seguida pelo Governo grego não pode pôr em causa a situação económica da zona euro no seu conjunto.”

As considerações geopolíticas não desapareceram do mapa. Continuarão a pesar na negociação com a Grécia e a favor duma solução da crise grega. A própria Angela Merkel o sublinhou: “O fracasso do euro seria o fracasso da Europa.” Por outro lado, a situação estratégica complicou-se. Depois de anexar a Crimeia e da guerra civil ucraniana, Moscovo tenta dividir os europeus. O Médio Oriente está no caos. Cresce a ameaça terrorista. E Merkel, mesmo sem ser geógrafa, sabe onde fica a Grécia. Para muitos, a saída de Atenas do euro seria um alívio. É uma ilusão. 

Se o desígnio do Eurogrupo fosse forçar o Grexit — esta ameaça é em grande medida uma forma de pressão negocial — Atenas poderia usar a “dissuasão do fraco ao forte”. Caso contrário, é uma estratégia sem sentido e sem eficácia. Gostem ou não, a Grécia e a Europa permanecerão amarradas. Outra coisa é Tsipras poder ditar as condições.

Pissarides
O outro limite da estratégia de Tsipras é muito simples: se uma saída da Grécia do euro é um perigo para a Europa, seria uma catástrofe para a Grécia.  

Entre as figuras estrangeiras que fizeram apelos ao voto “não” no referendo, estão os Nobel Paul Krugman e Joseph Stiglitz. Respondeu-lhes outro Nobel, o grego Christopher Pissarides, um crítico implacável das receitas da troika na Grécia. “Creio firmemente que a austeridade em recessão é uma política errada. É má para o futuro da zona euro e não apenas na Grécia.” Mas traça um quadro catastrófico dos riscos de uma vitória do “não” e lança um aviso ao Syriza: “A opção fácil para os políticos seria imprimir moeda e expandir o sector público com mais empregos improdutivos e mais salários que serão comidos pela nova inflação. É este o destino que os gregos querem?”
Escrevi acima que, ganhe o “sim” ou o “não”, Tsipras pode sair debilitado. No primeiro caso, seria uma derrota. No segundo, pode reforçar a ala radical do Syriza e da extrema-direita. 

Carlos Closa Montero, do Instituto Universitário Europeu (Florença), manifesta perplexidade perante a iniciativa. Um referendo faz-se no fim de um processo negocial. A possibilidade de o fazer funciona como um trunfo ou uma ameaça para um país exigir melhores condições. “Mas a convocatória de Tsipras produz-se antes de haver acordo e desactiva a ameaça.” 

Além de ineficaz, é um risco para a Grécia e para a Europa. Espera-se que não abra uma caixa de Pandora.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários