O dia em que Westminster e a Europa tremeram

A identidade política do Reino Unido continua mais expressiva do que a identidade cultural da Escócia, mas não o suficientemente expressiva para enterrar esta pretensão para sempre.

A Escócia rejeita a independência. O referendo escocês decorreu com tranquilidade, civismo e grande maturidade democrática, como era expectável. Os níveis de participação foram elevados, atingindo os 100% em alguns círculos, o que denota que a questão não deixou ninguém indiferente. É certo que os níveis de participação são por si só uma vitória moral para os adeptos do SIM, mas como diz a sabedoria popular britânica o good effort é reconfortante, but is not enough. As previsões iniciais, que apontavam para a vitória do NÃO, concretizaram-se.

Concluída a consulta popular, quais as implicações deste resultado a norte e a sul da fronteira? Um resultado desta natureza pouco ou nada altera o modo de fazer e de entender as relações centro-periferia em Westminster. Foram feitas várias concessões a quente, quando alguma incerteza sobre o resultado pairava no ar, mas o fantasma do referendo de 1979 levanta muitas dúvidas quanto às reais intenções do Governo de as cumprir. Portanto, a probabilidade de o Governo britânico retroceder nas suas promessas de reformas constitucionais e fiscais e regressar à rotina, é um receio legítimo para metade da população escocesa.

Já a norte da fronteira, as coisas complicam-se. Não obstante as questões de natureza económica estivessem presentes na reflexão dos eleitores, o referendo foi sobretudo um teste à identidade dos escoceses. E o resultado não deixa certezas: a identidade política do Reino Unido continua mais expressiva do que a identidade cultural da Escócia, mas não suficientemente expressiva para enterrar esta pretensão para sempre. Do mesmo modo, se o SIM tivesse ganho com uma pequena margem, nunca seria um resultado suficientemente forte para legitimar um projecto de independência.

O receio de instabilidade que assustou Westminster, teve um efeito bumerangue em Holyrood. Após a derrota do SIM, Alex Salmond, um veterano da causa escocesa, demitiu-se do cargo de Primeiro-ministro Escocês e de líder do Partido Nacional Escocês (SNP) sem intenções de se recandidatar no congresso de Novembro. Não obstante esta convulsão, o SNP continua a manter uma posição dominante em Holyrood, mas por quanto tempo? Alex Salmond nunca foi o político de todos os escoceses, mas foi indiscutivelmente um líder hábil que transformou o SNP numa força partidária de relevo. Conseguiu num curto espaço de tempo conduzir uma batalha política bem sucedida contra a mentalidade reinante do Establishment britânico e fez tremer Westminster. Com a demissão deste histórico, fica incerta a liderança do governo escocês para negociar o pacote de concessões. É certo que os escoceses já aceitaram o resultado e seguiram com as suas vidas, sem euforias e sem ressentimentos, porém fica claro que se as promessas de devolução não forem cumpridas, este dia e este resultado serão revividos.

Qual o impacto deste resultado para a Europa? O referendo escocês despertou uma vaga de simpatia pela causa escocesa, mas também fez tremer os velhos do restelo. A maioria das elites políticas europeias mantiveram o seu conservadorismo sobre os mecanismos de democracia directa e manifestaram o seu receio de instabilidade e de contaminação. Não deixa de ser surpreendente a incapacidade da Europa e sobretudo de alguns governos europeus compreenderem que a democracia não é um mercado e que as pessoas e as suas identidades não podem ser tratadas com indiferença. Uma coisa é certa: o referendo escocês não passou despercebido e não será novamente back to business as usual.

Universidade de Aveiro e alumnus da Universidade de Aberdeen

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