Brasil sem respostas para o estranho crime que está a abalar o país

Foi há quase uma semana que um estudante de 13 anos terá matado os pais, a avó e a tia-avó, antes de se suicidar. Mas há dados que põem em dúvida a principal tese da polícia.

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Família morava no bairro de Brasilândia, na zona norte da cidade de São Paulo NACHO DOCE/REUTERS

“Que a verdade seja dita.” A frase surgiu pintada na manhã desta sexta-feira no portão de casa onde morava a família Pesseghini, na zona norte de São Paulo, Brasil. Foi aí que o casal, o filho de 13 anos, a avó e a tia-avó foram encontrados mortos na segunda-feira.

A polícia acredita que o autor do crime foi o adolescente, que se terá depois suicidado. Mas o caso, que chocou o Brasil, está cheio de contradições e a verdade parece estar ainda longe.

Nada fazia prever o crime que abalou o bairro de Brasilândia, na zona norte da cidade. O pai, Luís Marcelo, tinha 40 anos e era sargento da ROTA, a tropa de elite da polícia militar do Estado de São Paulo. Terá sido o primeiro a morrer com um tiro na cabeça, dez horas antes dos outros, segundo os resultados das análises às manchas de sangue no corpo, divulgados neste sábado pela SPTV, da Rede Globo, citando médicos legistas que trabalham no caso. Depois terá morrido a mãe, Andréia, de 36 anos e também militar, igualmente com um tiro na cabeça.

O principal suspeito é o filho de ambos, Marcelo, que apesar dos seus 13 anos já sabia disparar. Segundo o testemunho de um militar, o pai dava-lhe aulas de tiro. A polícia acredita que, após ter disparado sobre os pais, Marcelo foi à casa ao lado, onde moravam a avó e a tia-avó (que tomavam remédios fortes para dormir), e matou-as da mesma forma, com a pistola de calibre 40 que pertencia à mãe. Segundo os cálculos da polícia, as mortes terão ocorrido entre domingo e a madrugada de segunda-feira passada.

Um dia de aulas normal
O que aconteceu depois é, no mínimo, bizarro. Marcelo, que sabia conduzir – segundo os vizinhos, costumava tirar o carro da garagem todos os dias – terá levado o automóvel da mãe e, por volta da 1h15 de segunda-feira, estacionou perto do colégio que frequentava, a cinco quilómetros de casa. Segundo as imagens captadas por uma câmara de vigilância instalada no local, Marcelo esperou até amanhecer e foi para as aulas, de mochila ao ombro, como se nada tivesse acontecido.

Um colega ouvido pela polícia diz que, em conversa, o rapaz terá dito que não voltaria à escola no dia seguinte. “Hoje é o meu último dia na escola, amanhã não venho mais.” Mas não era a primeira a vez que o dizia, por isso o amigo não ligou.

Segundo o delegado de polícia responsável pelo caso, Itagiba Franco, do Departamento de Homicídios e Protecção à Pessoa, outro amigo de Marcelo contou que ele já tinha dito que queria matar os pais e ser “mercenário”, o que deu força à teoria da polícia. “Esse amigo disse-nos hoje: ‘Ele sempre me chamou para fugir de casa, para ser um mercenário. Ele tinha o plano de matar os pais durante a noite, quando ninguém soubesse, e fugir com o carro dos pais e morar num local abandonado’”, relatou Franco em conferência de imprensa na terça-feira, citando o depoimento da testemunha.

Depois das aulas, Marcelo apanhou boleia para casa com o pai de um amigo. Este conta que, depois de partirem, Marcelo pediu para parar ao pé do carro da mãe, abriu a porta e tirou um objecto de dentro do veículo. Segundo a testemunha, o rapaz explicou que a mãe deveria estar a trabalhar por perto. E quando o homem se prontificou para tocar à campainha de casa para avisar a família, o rapaz recusou, argumentando que o pai estaria a dormir.

Os investigadores analisaram as pegadas deixadas pelo adolescente após entrar em casa: Marcelo ter-se-á dirigido à mãe, que estava já morta, de joelhos, sobre um colchão no chão da sala. Ao lado da mãe estava o pai, de bruços. Passou a mão pelos cabelos da mulher (foram encontrados fios de cabelo de Andréia entre os dedos do filho) e matou-se em seguida. Essa é, pelo menos, a versão da polícia.

Segundo o jornal O Globo, o rapaz estava vestido com uma camisola branca e calças às riscas (terá despido o uniforme do colégio) quando foi encontrado morto, deitado com a arma na mão esquerda, de barriga para baixo, sobre o colchão.

A primeira pessoa a entrar na residência e a encontrar os cadáveres foi um agente da polícia militar, que ainda vai ser ouvido. Também falta ouvir, entre outras testemunhas, um tio-avô do jovem, que, segundo O Globo, rejeita que o sobrinho fosse capaz de matar a família e cometer suicídio. Marcelo era um jovem doente: tinha diabetes e fibrose cística, uma doença genética e degenerativa que pode levar à morte prematura na idade adulta. Não consta que tivesse qualquer doença psiquiátrica. Os vizinhos e a direcção do colégio que o rapaz frequentava descrevem ao jornal Folha de São Paulo um miúdo "dócil" e bem comportado.

Dúvidas sobre a tese da polícia
Mas foram as declarações do comandante do 18.º Batalhão da Polícia Militar, chefe de Andréia Pesseghini, a uma rádio local, que vieram abalar, na quarta-feira, a tese defendida pela polícia. O coronel Wagner Dimas disse que a mãe de Marcelo tinha denunciado vários colegas do batalhão por participarem em roubos de caixas ATM. O coronel disse não ter conhecimento de que a família tivesse recebido qualquer ameaça, mas não descartou a possibilidade de o crime estar relacionado com a colaboração de Andréia na investigação. 

No entanto, um dia depois, quando foi chamado a depor na polícia, o coronel deu o dito por não dito. “Disse que não existe nada. Disse que foi mal interpretado ou não se expressou bem”, afirmou o delegado Itagiba Franco, ao jornal O Globo.

Segundo a edição online do jornal A Tribuna, o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, anunciou na sexta-feira que vai instaurar um processo sobre as declarações do coronel Wagner Dimas. “Nós não tínhamos conhecimento do facto que ele falou”, disse o responsável.  

Também o polícia jubilado e deputado estadual Olímpio Gomes disse não acreditar na versão da polícia. Segundo o diário Folha de São Paulo, Gomes afirmou que parecia que o local do crime tinha sido manipulado e que estranhava a posição em que foi encontrada a arma, na mão do rapaz.

Perguntas sem resposta
Ao fim de uma semana de investigações, ainda há muitas perguntas sem resposta. Durante a próxima semana deverão ser conhecidos os resultados das autópsias feitas às vítimas, que vão determinar as causas de morte. Falta analisar também as luvas encontradas no banco de trás do carro conduzido por Marcelo, para ver se têm vestígios de pólvora, já que o rapaz não os tinha nas mãos.

A polícia vai ainda analisar o computador usado pelo adolescente e os telemóveis de cada uma das vítimas. A polícia acredita que o adolescente possa ter sido influenciado por jogos de computador ou séries televisivas mais violentas. Segundo o jornal O Globo, Marcelo usava a imagem de uma personagem de um jogo de computador no seu perfil no Facebook. O jovem trocou a foto de perfil a 5 de Julho, passando a usar a imagem de um assassino do jogo Assassin’s Creed.

Para já, ainda está tudo em aberto. "Nada está a ser desprezado, todas as informações dadas pelas testemunhas estão a ser verificadas. A linha de investigação principal ainda é a da autoria atribuída ao menino. O caso ainda não está concluído", afirmou a O Globo o delegado geral da Polícia Civil, Luiz Maurício Blazec. E acrescentou que a possibilidade de outra pessoa ter participado no crime "não é uma questão fechada".

 

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