O crescente desrespeito pela separação de poderes na Turquia

Incapaz de dar uma resposta coerente e humana ao drama dos refugiados, a Europa verga-se e abdica dos seus valores fundamentais.

A Embaixadora da Turquia criticou nas páginas deste diário (a 7/4) aquilo que disse ser a “ideia transmitida” pela imprensa, segundo a qual a redinamização do processo de adesão, decidida na sequência do acordo Turquia-UE sobre imigração, seria “uma espécie de grande prémio” para aquele país.

Infelizmente, não se trata apenas de uma ideia veiculada pela imprensa – é a única conclusão a que se pode chegar quando se analisa de perto a atuação do governo turco e o seu crescente desrespeito pela separação de poderes e pela liberdade de expressão.

Na Turquia, entre Janeiro e Março de 2013, 554 juízes e procuradores foram transferidos, sem o seu consentimento, para diferentes circunscrições. Entretanto, mais de cem pessoas sem qualquer experiência judicial, anteriormente funcionárias do partido no poder, foram nomeadas juízes de tribunais superiores, cargo a que até então só juízes com pelo menos quinze anos de experiência podiam aceder.

De acordo com a comunicação social, só nos primeiros 227 dias após a sua eleição (10 de Agosto de 2014), o Presidente Turco moveu processos por difamação contra 236 pessoas, dos quais 105 estavam ainda pendentes em Fevereiro deste ano e estando oito daquelas pessoas detidas.

A 12 de Maio de 2015, o Conselho Superior da Magistratura demitiu, sem direito a qualquer recurso, o juiz Süleyman Karaçöl e quatro procuradores (Zekeriya Öz, Celal Kara, Mehmet Yüzgeç e Muammer Akkas) que investigavam o possível envolvimento do Presidente Turco num caso de corrupção.

Em 6 de Maio de 2015 foi ordenada a detenção do procurador de Adana, Süleyman Bagriyanik, juntamente com três dos seus adjuntos, Ahmet Karaca, Aziz Takçi, Özcan Sisman, e com o chefe da polícia da Província de Adana (Özkan Çokay), sob a acusação de tentativa de golpe de Estado, por terem apreendido em 1 e 19 de Janeiro de 2014 duas caravanas de camiões junto à fronteira Síria (Hatay e Adana), que veio a descobrir-se estarem a transportar armas para a Síria, acompanhadas por oficiais dos serviços secretos turcos.

A 30 de Abril de 2015, dois juízes, Metin Özçelik e Mustafa Baser, foram detidos sob a acusação de terrorismo por terem proferido uma decisão de fazer cessar uma prisão preventiva (decisão que não foi alvo de qualquer recurso). Tal decisão dizia respeito a agentes da polícia e a um jornalista (também suspeito de terrorismo) que tinham estado presos durante um ano e meio e que antes disso se tinham dedicado à investigação e divulgação de casos de corrupção. Os dois juízes estão ainda na prisão e no dia da primeira audiência (26 de Janeiro de 2016) foi anunciada publicamente a sua exoneração de funções. Pela primeira vez na Turquia juízes são presos por causa das decisões tomadas no exercício das suas funções profissionais.

No início de Fevereiro, o Conselho Superior da Magistratura iniciou processos disciplinares contra várias dezenas de juízes (de 78 tribunais) com base numa queixa do Ministério da Administração Interna, simplesmente porque estariam a proferir decisões contra esse Ministério.

Acrescendo a tudo isto, o Presidente Turco organizou recentemente um encontro com governadores locais, a quem disse “se necessário, ponham as leis de lado, façam o trabalho à vossa maneira”, bem como “somos bem-sucedidos porque adaptámos as leis. Tivemos sucesso porque nos recusámos a obedecer-lhes”.

É neste quadro e perante este panorama que a União Europeia decide premiar a Turquia, realçando os “progressos registados” e acelerando o seu processo de integração. Incapaz de dar uma resposta coerente e humana ao drama dos refugiados, a Europa verga-se e abdica dos seus valores fundamentais.

Sim, provavelmente os verdadeiros defensores dos valores Europeus na Turquia irão aderir à União Europeia, mas infelizmente fá-lo-ão na cadeia, presos por defender esses mesmos valores.

Presidente da Associação de Juízes da Sérvia; representante da Associação Sindical dos Juízes Portugueses na MEDEL; membros da direcção da MEDEL – Magistrados Europeus para a Democracia e as Liberdades

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