O cavaleiro da esperança

Num contexto de mediocridade interna e de relações externas, incluindo as militares, surge esta flor no pântano, com a coragem para vencer a anomia geral.

1. Mario Draghi, o cavaleiro da esperança. Pedi emprestado ao panegírico de Jorge Amado, dedicado a Luiz Carlos Prestes, o título com que os europeus deveriam tratar o governador italiano do Banco Central Europeu.

Num contexto de mediocridade interna e de relações externas, incluindo as militares, surge esta flor no pântano, com a coragem para vencer a anomia geral. Draghi promete e cumpre: baixou a taxa de juro para valores inimagináveis e ameaçou comprar a dívida soberana parqueada nos bancos europeus para lhes dar folga para crédito à economia. Heresias há cinco anos, receita inevitável e atrasada para hoje. O antigo financeiro da Goldman Sachs que teria, em outros tempos, ajudado a Grécia a vencer os limites de Maastricht, reconverteu-se em economista heterodoxo, ensinando os rudimentos da esmaecida ciência económica aos que a desaprenderam para seguirem catecismos ideológicos. Draghi desafia a minoria dos seus colegas do conselho de governadores, militantes do pensamento único, arrosta com acusações de experimentalismo e rir-se-á dos epítetos de perigoso keynesiano com que não tardarão a apodá-lo. E, no entanto, Draghi não faz mais que pensar pela sua cabeça, aprendendo com americanos e japoneses e abandonando o paradigma falido. Neste contexto, os nossos temerosos governantes, em vez de se lhe agarrarem às abas da casaca, entretêm-se a carinhosamente apajearem Schäuble. Atitude generosa mas desnecessária.

2. O dilema alemão. Rodeada de perigos, sem energia fóssil, a braços com um Leste que odeia os russos com as ganas de quem se libertou de opressão recente, colada a uma França inerte e um Reino Unido a braços com a dupla ameaça cisionista do novo partido independente (UKIP) e da Escócia, a grande e trabalhadora Alemanha não tardará a sobrepor os dramas que a rodeiam à sua persistente auto-estima: não é possível manter internamente o isolamento cultural a que a sua língua a condiciona, nem a ilusão de que a receita em si aplicada por Schroeder, no início deste século, reproduza nos outros resultados semelhantes. A autodisciplina exporta-se com dificuldade. A braços agora com uma ameaça de guerra fria servida requentada, desconfiada da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), a grande Germânia não sabe o que fazer. Não alinhava em militarismos mas já concorda com uma força de intervenção rápida, pretendeu mercadibilizar os russos oferecendo-lhes parceria tecnológica e económica no grande adutor de gás russo através do mar do Norte, mas não os transformou em operadores económicos eficientes; preferiu a pasta da Energia na Comissão, mas poderá agora controlar o TTIP, aproximando-se do grande parceiro norte-americano. Sinais de que receia perigos ainda desconhecidos. E tem razão. O mundo perigoso daquelas bandas não se compadece com brincadeiras de putos com dichotes e bravatas. Os russos ameaçaram descobrir a careca a Barroso, atribuindo-lhe o escoamento de uma suposta ameaça de, em duas semanas, conquistarem Kiev, se o pretendessem. Putin fez saber que com ele não se pode brincar. Como fez já dezenas de vezes, Barroso alegou ter sido citado fora do contexto.

3. A valsa da Comissão. Juncker parece ter conseguido os mínimos na questão do género para escolha das comissárias. Deixou cair as anteriores pastas do Alargamento, do Mercado Interno e da Melhor Regulação, respectivamente, por ausência de objecto, escassos resultados anteriores e mesquinha cooperação dos Estados-membros. Resolveu criar as do Digital e Inovação, da Internet e Cultura e uma vice-presidência para a União Energética, redundante com a da Energia e Clima. Pelo meio, a serem verdade os rumores, estará a divertir-se com paradoxos: pensaria oferecer ao energeticamente relutante Reino Unido a pasta da Energia e Clima. Ao socialista Moscovici a Concorrência e ao ultraliberal Moedas, que geriu entre nós a maior destruição de emprego de que há memória na história pátria, nada menos que a pasta do Emprego e Assuntos Sociais. Divertimento, ou reeducação ideológica?

4. O vinho do Dão. Salvámos a semana com um visita à feira do vinho do Dão em Nelas. Havíamos lá estado há três anos e o crescimento é vibrante. Impossível encontrar um mau vinho. Testemunhámos a elegância dos amaciamentos do Touriga nacional com castas mais brandas, aromáticas, embora não tão resistentes à idade. Não descortinámos madeira em excesso e cheirámos alguns bons suores de cavalo. E constatámos a grande moda do Encruzado nos brancos, mas já com algumas combinações com Arinto, Malvasia e Bical que previnem a futura monotonia. Reconhecemos o velho "borrado de mosca" nessas felizes combinações. Enólogos competentes, jovens produtores entusiastas e artesãos cheios de experiência estão apenas carecidos de algum associativismo (chamam-se agora parcerias) no apoio à exportação. Fico-me por aqui para não me considerarem candidato amador a colunista profissional de vinhos. Não suba o sapateiro acima da chinela.

Professor catedrático reformado

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