O Brasil que acorda para o presente

Depois de uma segunda-feira nublada, o dia amanhece com um típico céu azul e sol ameno de outono no Rio de Janeiro. Porém, o que mais chama a atenção na paisagem que avisto da janela de casa é aquela bandeira do Brasil, com cerca de metro e meio de largura, que apareceu pendurada na janela de um apartamento do outro lado da rua. Uma bandeira novinha, a julgar pela força das cores e pelos vincos de dobra que ainda ostenta. Estamos em plena Copa das Confederações, mas com certeza aquela bandeira não está ali para manifestar a torcida pela seleção brasileira. A bandeira foi para a janela torcer pelo Brasil.

Assim como ela, milhares de manifestantes tomaram ontem, dia 17 de junho, as ruas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Belo Horizonte para mostrar sua torcida por um país que possam chamar de seu, com prazer e orgulho. Mais do que torcer, pessoas saíram a campo dispostas a entrar no jogo com suas próprias pernas, ir para a tribuna das ruas soltar suas vozes, descrentes que os pernas-de-pau que hoje campeiam nas instituições políticas sejam capazes de representar suas ideias, lutar pelos seus anseios, cuidar de interesses coletivos.

Desacreditados, políticos assistem a tudo sem entender bem o que se passa, atônitos diante dessa força que varre as redes sociais e despeja milhares de jovens nas ruas, e outros tantos nem tão jovens assim, num movimento que teve início num protesto contra aumento de tarifas de ônibus e acabou agregando insatisfações latentes.

Vai-se à rua pedir mais qualidade em transporte, saúde e educação, itens básicos de um país que se quer próspero. Vai-se à rua pedir menos violência. Vai-se à rua protestar contra a corrupção impune, que transfere para uns poucos os recursos que deveriam ser investidos para o bem comum. Vai-se à rua contra gastos estratosféricos para a realização de grandes eventos esportivos – a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Vai-se à rua em paz e também com notas de violência, o que não chega a surpreender, num movimento sem lideranças, que não se deixa enquadrar nos moldes de outras grandes manifestações que marcaram a recente história do país. Episódios com causas bem definidas, como o Diretas Já!, em 1983-1984, num tempo em que se lutava pela redemocratização, ou o movimento dos estudantes caras-pintadas, que foram às ruas em 1992 pedir o impeachment do então Presidente Fernando Collor – hoje um senador da República.

Diz um antigo ditado árabe que os filhos se parecem mais com o seu tempo do que com os seus pais. E talvez por isso as instituições políticas e boa parte da mídia estejam sendo surpreendidas pela dinâmica do que está se passando. Dissociadas do tempo de hoje, elas ainda se pautam por antigas práticas e modelos, de um tempo não tão remoto, mas que sem dúvida não se parece mais com o tempo dos jovens que hoje se mobilizam por meio de redes sociais, partilham um descontentamento difuso e dispensam mediações.

Esse sopro de juventude, de tão forte, vai aos poucos levantando o bolor daqueles que, com o passar dos anos, se acomodaram a viver num país onde o futuro parecia finalmente ter chegado. Nesse fim de outono, brasileiros vão acordando para o seu presente e, ao que parece, desejosos de assumir um papel mais protagonista na sua história.

Maria Caldas é jornalista brasileira.

Artigo em português do Brasil
 
 

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