O BCE tem o poder de “desligar a ficha”, mas irá fazê-lo?

Enquanto os políticos discutem um novo acordo, os bancos gregos estão a ficar sem dinheiro. O BCE pode ter de decidir se os deixa cair mesmo antes de os governos dizerem que uma saída da Grécia do euro é inevitável.

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Alexis Tsipras e Mario Draghi conversam antes da cimeira desta terça-feira REUTERS/Yves Herman

Mario Draghi, o homem que em 2012 prometeu “fazer tudo o que for preciso” para salvar a moeda única, tem na sua mão o poder de, apenas com o toque de um botão, tornar praticamente inevitável a saída da Grécia da zona euro. E a questão é mais actual do que nunca: irá o presidente do Banco Central Europeu (BCE) carregar nesse botão antes de um entendimento entre os Governos estar completamente colocado de parte, ou estará disponível para dar tempo à Grécia e aos seus bancos para se manterem acima da linha de água enquanto as negociações se prolongam?

De uma coisa não há dúvida: neste momento, é apenas o BCE que evita que os bancos gregos entrem imediatamente em falência. A Assistência de Liquidez de Emergência (ELA, na sigla inglesa) de 89 mil milhões de euros que é disponibilizada às instituições financeiras em troca da apresentação de garantias possibilita que estas, a braços com meses sucessivos de fugas de depósitos, continuem a poder disponibilizar algum dinheiro aos seus clientes. Já são apenas 60 euros por dia e apenas na caixas automáticas, mas são aquilo que mantém um mínimo de estabilidade social na Grécia e evita que o país avance para a criação de uma moeda complementar ou alternativa ao euro.

O BCE, contudo, tem vindo a dar sucessivos sinais de que está menos disponível para manter este suporte mínimo ao sistema financeiro grego. Começou logo no início do ano, ao deixar de aceitar a dívida grega como garantia no financiamento normal que era disponibilizado aos bancos gregos. A partir daí, o financiamento teve de passar a ser feito através do ELA, que foi sendo alargado regularmente para responder à cada vez mais forte fuga de depósitos, até atingir os 89 mil milhões de euros.

Há 15 dias, apesar de os bancos continuarem a precisar de cada vez mais dinheiro, o BCE decidiu, em resposta ao anúncio do referendo, congelar os empréstimos de emergência nos 89 mil milhões de euros, o que tornou inevitável o fecho dos bancos e a imposição de um limite diário de 60 euros nos levantamentos. E na segunda-feira, após a vitória do “não”, o BCE foi ainda mais longe, passando a exigir ainda mais garantias aos bancos para poderem obter o mesmo nível de financiamento.

Neste momento, calculam os analistas do Citigroup, os quatro maiores bancos gregos têm entre 500 millhões e 1000 millhões de euros nos seus cofres, quando o dinheiro levantado diariamente pelos gregos tem variado entre os 150 milhões e os 250 milhões de euros.

Isto é, os bancos, que já anunciaram que ficam fechados até pelo menos esta quarta-feira, podem estar a dias de ficarem sem dinheiro para fornecer aos clientes nas máquinas automáticas. A concretizar-se, este pode ser um acontecimento capaz de empurrar definitivamente a Grécia para fora da zona euro.

A dúvida que se coloca é se o BCE deixará que tal aconteça, enquanto decorrem ainda negociações entre o Governo e os seus parceiros europeus para um novo programa de financiamento à Grécia.

Do lado dos responsáveis do BCE a resposta a essa pergunta tem sido sempre a de que o banco central é uma instituição que responde a regras, às suas próprias regras. E nesta terça-feira fez questão de esclarecê-las com a publicação de um relatório em que explica em que condições é que pode continuar a aprovar a concessão dos empréstimos de emergência aos bancos. Aí afirma que “o objectivo da ELA é apoiar instituições de crédito solventes que enfrentam problemas temporários de liquidez, não é um instrumento de política monetária” e avisa que o funcionamento do Eurosistema pode ser afectado “pela provisão de ELA em condições excessivamente generosas, que, por sua vez, poderiam aumentar o risco moral do lado das instituições financeiras ou das autoridades responsáveis”.

Isto significa que o BCE não quer passar a imagem de que está a ser “excessivamente generoso” com a Grécia. O que isso pode vir a significar em termos práticos, ainda está por perceber. Mas a poucos dias de os bancos poderem ficar sem qualquer liquidez, rapidamente se irá saber.

Esta terça-feira reataram-se as negociações entre a Grécia e os seus credores. Todos têm insistido para que um princípio de acordo possa ser anunciado nos próximos dias, de forma a dar margem de manobra ao BCE para aumentar o nível de financiamento de emergência que fornece aos bancos. Mas mesmo nessas circunstâncias, o BCE pode vir a ser colocado perante outro dilema: é que para o acordo passar efectivamente à prática, com a aprovação no parlamento de vários países de novos empréstimos para a Grécia, o país pode não conseguir ter o dinheiro disponível para, a 20 de Julho, pagar a dívida que tem ao BCE. Nessa altura, o banco central volta a ficar com argumentos, de acordo com as suas regras, para cortar o financiamento a bancos que apresentam precisamente títulos de dívida pública grega como garantia.

Em editorial, o Financial Times defende que não deve ser por questões de ordem técnica, mas sim política, que uma eventual saída da Grécia do euro deve ficar decidida. “Não deve ser nem a acção nem a indecisão do BCE que finalmente conduz a Grécia para fora da zona euro”, afirma o jornal britânico.

Uma opinião semelhante tem João César das Neves, professor na Universidade Católica, que lembra que dentro do mandato do banco central está também a estabilidade financeira. “Enquanto a Grécia fizer parte do euro, o BCE nunca pode deixar cair os bancos gregos, porque isso punha em risco o cumprimento do mandato de manter a estabilidade monetária e financeira na zona euro. É importante não esquecer que o BCE é o banco central grego e não pode faltar aos seus deveres”, afirma.

O economista Nuno Teles partilha da mesma opinião, afirmando ainda que “a actual situação mostra a disfuncionalidade da arquitectura do euro”. “É impensável que o banco central de qualquer país derrube de uma assentada todos os seus bancos, através do congelamento da liquidez, como parece ser agora o caso na Grécia”, diz, defendendo que “o que actual situação mostra é que o BCE se comporta como um banco estrangeiro com alguns países”.

Nuno Teles acredita que o BCE não quer ter o ónus da decisão de deixar cair os bancos, mas, “a partir do momento em que o Eurogrupo dê as negociações por terminadas sem acordo, parece-me evidente que o BCE ‘desliga a ficha’".

Já Ricardo Reis vê o BCE com menos margem de manobra para agir. O economista assinala que “se o BCE estender liquidez aos bancos gregos então revela claramente que a sua defesa perante o tribunal constitucional alemão e europeu [em que garantiu não haver lugar a financiamento monetário dos Estados] era falsa”. Nesse cenário, acredita Ricardo Reis, o BCE “arrisca um movimento em que, a prazo, a Alemanha e outros países saiam do euro por razões legais”. A alternativa – não estender a liquidez aos bancos gregos – torna “difícil ver como é que o sistema bancário grego não implode e a Grécia não introduz uma nova moeda”.

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