O ataque de um só homem mostrou as falhas de segurança num país em alerta de terrorismo

O Canadá nunca mais será igual e Otava nunca mais será a mesma. No Parlamento, acelera-se legislação anti-terrorismo. Polícia confirma que atirador pretendia partir para a Síria.

Um homem foi preso no Memorial da Guerra, onde o soldado Cirillo morreu
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Um homem foi preso ao aproximar-se das fitas de segurança no Memorial da Guerra Chris Wattie/Reuters
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O primeiro-ministro canadiano, Stephan Harper, pôs flores onde um soldado morreu Chris Wattie/Reuters
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Antes da cerimónia, em que participaram deputados e governantes, o recinto foi inspeccionado AFP
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O homem que matou o atirador, o sargento Kevin Vickers, chefe da segurança do Parlamento, foi homenageado Reuters
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O soldado Cirillo está de guarda ao Túmulo do Soldado Desconhecido, que fica no Memorial da Guerra AFP

Depois de um dia de medo, algum alívio — a polícia canadiana concluiu que o homem que, na quarta-feira, atacou a tiro o Parlamento de Otava agiu sozinho. Mas o tiroteio também revelou as muitas vulnerabilidades e falhas de segurança de um país que até estava em alerta de terrorismo.

Em três dias, o Canadá sofreu dois atentados e, no segundo, o terrorista passou pela porta da sala onde o primeiro-ministro, Stephen Harper, estava reunido com uma comissão militar para discutir medidas para evitar a radicalização de mais cidadãos.

"O Canadá não se deixará intimidar", disse Harper depois de o ataque estar controlado. Assegurou que será redobrado o esforço para "identificar e combater as ameaças à segurança do Canadá".

Para começar, Otava nunca mais será a mesma. Na verdade, o Canadá nunca mais será igual. O atirador de Otava, Michael Zehaf-Bibeau, de 32 anos, que o primeiro-ministro confirmou ser alguém que aderiu à causa do jihadismo, parou o carro junto ao Memorial da Guerra, que fica junto ao Parlamento e onde só existe uma guarda cerimonial — foi um destes homens, o soldado Nathan Cirillo, de 24 anos, que o atirador matou — e deixou-o a trabalhar. Depois, entrou sem dificuldade no Parlamento, onde não há grades, cancelas ou seguranças e polícias a controlar quem passa pela aporta. O atacante, segundo as testemunhas oculares, andou perto de dois minutos pelos corredores até ser abatido pelo chefe de segurança, que esta quinta-feira foi homenageado pelos deputados pela sua conduta exemplar. 

Não fosse essa conduta e a rapidez com que a polícia e os militares chegaram à colina do Parlamento, e a tragédia poderia ter sido maior. Dentro do edifício estavam centenas de pessoas, membros do Governo, deputados, jornalistas, funcionários.

Apesar de na terça-feira o nível de alerta terrorista ter sido aumentado — devido a um primeiro ataque terrorista, no Quebeque, onde segunda-feira um canadiano radicalizado atropelou dois soldados, matando um deles —, não houve um reforço de segurança no Parlamento e noutros edifícios governamentais.

O Governo canadiano decidiu subir o nível de alerta com base em informações dos serviços secretos dando conta de que "um indivíduo ou um grupo, no Canadá ou no estrangeiro", teriam "a intenção de cometer um acto terrorista". Em Setembro, numa comissão parlamentar, o director dos serviços secretos já tinha falado aos deputados deste risco, mas garantira que a ameaça, sendo "real", não era "iminente".

Recentemente, os deputados de Otava aprovaram que aviões canadianos participassem nos bombardeamentos contra o Estado Islâmico no Iraque. Depois de perceberem que também um país como o Canadá (habituado a ser um parceiro ocidental distante ou a ser deixado à margem das convulsões da região a que pertence) pode ser alvo do terrorismo jihadista, os canadianos começaram a questionar o papel dos serviços secretos perante as informações que tinham nas mãos.

A secreta já tinha feito chegar às autoridades uma lista com os nomes dos 130 canadianos radicalizados, ou seja, com ligações provadas aos grupos islamistas extremistas que actuam na Síria, Iraque e Somália. Destes, 80 estiveram em cenários de guerra e regressaram ao Canadá. O homem que fez o atentado no Quebeque, Martin Rouleau-Couture, estava nesta lista. Michael Zehaf-Bibeau não, disse numa conferência de imprensa o comissário da polícia, Bob Paulson.

Foi sim dito que Michael Zehaf-Bibeau estava em Otava com o objectivo de obter o passaporte e de viajar para a Síria. Segundo o comissário da polícia Bob Paulson, o atirador chegou à cidade no dia 2 de Outubro "para tratar de uma questão relacionada com o passaporte" e "esperava partir para a Síria".

Que género de vigilância é feita a estas pessoas? É uma pergunta a que não respondeu o ministro da Segurança Pública e das Emergências, Steven Blane, que esteve nesta quinta-feira no Parlamento para dar explicações aos deputados, que regressaram ao trabalho horas depois de ter sido concluída a operação no Parlamento, era já noite em Otava.

Blane foi repetir as palavras do primeiro-ministro, que na semana passada anunciara que seriam aprovadas uma série de medidas para prevenir o terrorismo interno. "Prevenir o extremismo violento é um elemento essencial da nossa resposta, por isso, neste momento, já está a ser feito trabalho importante nesse sentido", disse Blane. "Posso confirmar aos canadianos que, enquanto falamos, a polícia investiga estes indivíduos e tentará pô-los atrás das grades, que é onde devem estar", disse o ministro.

Reforçar as leis
O primeiro-ministro também falou aos deputados: "As nossas leis e poderes políticos devem ser reforçados na área da vigilância, detenção e prisão — trata-se de um trabalho que já tinha começado e que será agora acelerado". Algumas das propostas de lei em preparação visam dar à polícia federal mais poderes para identificar pessoas ligadas ao terrorismo internacional e detê-las. E dar aos serviços secretos mais acesso a informações sobre os canadianos que viajam para o estrangeiro e aos dados dos cidadãos que, já no estrangeiro, integram grupos extremistas.

O ministro não mencionou o que será feito internamente, por exemplo se o sistema de segurança no Parlamento e noutros edifícios governamentais e públicos será reforçado — os dois ataques foram contra estruturas de poder, os militares e o Parlamento. Sabe-se que alguns locais foram postos sob vigilância, por exemplo o metropolitano e os terminais de outros transportes públicos.

Para já, o primeiro-ministro pediu à população para se manter calma: "Vamos manter-nos vigilantes, mas não nos deixaremos dominar pelo medo. Seremos prudentes, mas não cairemos no pânico". No entanto, o nervosismo domina — nesta quinta-feira, um homem foi preso ao aproximar-se das fitas de protecção colocadas no Memorial da Guerra, quando o primeiro-ministro foi depositar uma coroa de flores no local onde o soldado Cirillo morreu. E outro homem foi detido em Halifax depois de ter deixado uma arma de fogo num autocarro.

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