O achamento do Brasil no Parlamento Europeu

Foi ontem constituída no PE, pela primeira vez, uma delegação interparlamentar União Europeia-Brasil.

1. Grande parte dos observadores do quotidiano do Parlamento Europeu (PE) não terá dado conta da importância do dia de ontem para as relações entre a União Europeia (UE) e o Brasil e, designadamente, para o papel de Portugal como “interlocutor” privilegiado dessas relações. Foi ontem constituída no PE, pela primeira vez, uma delegação interparlamentar União Europeia-Brasil. Na verdade, até ontem, todos os contactos com o Brasil – no plano de relações entre parlamentos – faziam-se unicamente no quadro de uma delegação para o Mercosul (que, para lá do Brasil, compreende a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e a Venezuela). É naturalmente um quadro necessário e importante, mas era também, e por razões as mais várias, um quadro deveras redutor.

2. Importa chamar a atenção para que o Brasil era até agora o único país dos cinco “BRICS” que não dispunha de uma delegação parlamentar própria. Com a agravante que era o único país dos BRICS que fala uma língua europeia e o único deles que se inscreve na idiossincrasia ocidental. Era, na verdade, estranho – para não dizer bizarro –, no actual estado de desenvolvimento da comunidade global, que o Brasil não gozasse entre os parlamentares europeus de um estatuto equivalente ao da Rússia, da Índia, da China e até ao da África do Sul.

3. Esta omissão ou lacuna política era ainda mais óbvia porque existe, desde 2007, uma Parceria Estratégica UE-Brasil, lançada pela Comissão e, em particular, pelo Presidente Durão Barroso. Trata-se de uma importante plataforma de cooperação política e económica que vem na senda do estabelecimento temporão de relações diplomáticas formais entre as duas partes. Ora, o lançamento desta Parceria criou imediatamente uma situação de “assimetria institucional" entre o PE, de um lado, e o Conselho e a Comissão, do outro. Com efeito, tanto o Conselho como a Comissão Europeia dispõem de instrumentos próprios para o acompanhamento da Parceria, instrumentos que minguavam ao PE. No contexto institucional do PE, não havia nenhum fórum no seio do qual se pudesse acompanhar e controlar o desenvolvimento da Parceria.

4. Diante desta lacuna, alguns obtemperavam que esse acompanhamento podia e devia ser feito no quadro da delegação do Mercosul. Ora, é justamente aqui que reside o busílis da questão. A delegação do Mercosul revelou-se crucial, desde que foi fundada em 1999, para fazer o seguimento parlamentar dos acordos de cooperação com o Mercosul enquanto comunidade económica. Mas revelou-se claramente insuficiente para criar uma relação política densa com o Brasil, pois os congressistas brasileiros não aceitavam nem aceitam debater e discutir as questões políticas duras – e, designadamente, aquelas que dizem respeito à política externa do Brasil enquanto potência global emergente – diante dos seus homólogos da América Latina. O Mercosul é um fórum próprio para os assuntos comerciais e económicos, mas mostrou-se inadequado para a permuta de informações e de esclarecimentos no âmbito dos dossiês políticos. Ao que acresce a circunstância de o Mercosul estar hoje largamente dependente dos humores da política argentina e da política venezuelana e isso criar reservas, embaraços e desagrados à actual agenda brasileira. Finalmente, os parlamentares brasileiros não compreendiam que o Congresso dispusesse de uma delegação para a UE e esta tivesse como instância simétrica uma delegação que abrangia, não apenas o Brasil, mas mais um punhado países latino-americanos.

5. A pergunta que fica no ar é simples: por que é que só agora se criou uma delegação para o Brasil? A resposta está evidentemente no carácter complexo, mesmo muito complexo, da política externa da União. Na verdade, a política externa europeia – onde existe – reflecte amplamente as diferentes matrizes e matizes nacionais. É evidente que a Espanha fez sempre finca-pé em olhar para a América Latina como um bloco. E, em especial, em não deixar nunca isolar o Brasil de um “cintura de segurança” de países de fala espanhola. E a verdade é que até hoje os deputados europeus espanhóis foram os definidores da estratégia para a América Latina e procuraram sempre incluir nela o Brasil, o que fizeram com sucesso. Este posicionamento de domínio, diga-se de passagem, foi feito com uma grande consideração pela posição portuguesa, tentando captar os deputados portugueses para uma ideia de condomínio nos assuntos que tocassem o Brasil. Esta “excepção” portuguesa foi escrupulosamente respeitada, mas sempre dentro de uma “maîtrise” espanhola. Portugal fez um esforço sobre-humano, em especial na última legislatura, para criar uma delegação para o Brasil, mas deparou invariavelmente com a resistência passiva e activa dos colegas espanhóis. Até que, com o apoio de muitos outros países, já em desespero de causa e quase no último minuto de 2014, se conseguiu criar a delegação, com efeitos a partir da nova legislatura (2014-2019).

6. Os obstáculos não terminaram. Já na nova legislatura, fixou-se a regra de que todos os membros da Delegação do Brasil teriam, por inerência, de ser membros da Delegação do Mercosul. Também por aqui se queria, uma vez mais e agora na secretaria, reforçar aquela ligação ao mundo latino-americano de língua castelhana. Mas, ironia das ironias, a estipulação dessa regra acabou por implicar um enorme reforço da presença de portugueses na Delegação do Mercosul. E o resultado final é uma enorme oportunidade para o protagonismo português na diplomacia parlamentar europeia. O presidente da recém-criada Delegação do Brasil é português e, pela primeira vez, a presidência da Delegação do Mercosul cabe a um português. E como os membros da Delegação do Brasil têm de fazer parte da Delegação do Mercosul, nunca houve tantos portugueses no Mercosul. E já agora, nunca houve ali tão poucos espanhóis. É bem caso para dizer que Portugal voltou a achar o Brasil, mas desta feita no PE…

SIM e NÃO

SIM. Fernando de Sousa. Sabia tudo sobre a Europa destas décadas; conhecia e chegava a toda a gente. Tinha a fleuma britânica, a elegância francesa, a bonomia portuguesa. Sempre afável, fazia todas perguntas: as difíceis e as pertinentes.

NÃO. Turquia. A ambiguidade e a passividade do poder turco face à ofensiva do Estado Islâmico contra os curdos não auguram nada de bom. A Turquia acabará a pagar um preço bem alto.

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