“Nunca pensámos viver este pesadelo – e o que vem aí pode ser pior”

Filas nos multibancos, falta de medicamentos nas farmácias, uma incerteza do tamanho do mundo. Muitos gregos sentem o chão escapar-lhes debaixo dos pés e dizem que nem os políticos “sabem o que estão a fazer”.

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Os gregos culpam todos os partidos, mesmo os que estão agora contra o Syriza Alkis Konstantinidis/Reuters

Katerina é a imagem do chique: elegante na sua roupa preta solta mas não demasiado, alta e esguia, cabelo apanhado e rosto com maquilhagem leve, um fio discreto com uma pedra preciosa. Está a fumar um cigarro à porta de uma loja de joalharia num bairro de classe alta, Kolonaki.

Desde que a crise começou, e já lá vão mais de cinco anos, que os gregos estão habituados a antecipar tempos difíceis. “Tínhamos ouvido cenários de pesadelo, mas nunca pensámos que viesse mesmo a acontecer”, diz. “Agora, não fazemos a menor ideia do aí vem. Nunca pensámos viver este pesadelo do controlo de capitais, e estamos a vivê-lo agora. Portanto, não há limites para o que poderá vir aí”, argumenta. “Temos medo de perder tudo. Não só o trabalho, tudo.”

Katerina continua a ter o dinheiro no banco, e agora não consegue nem levantar os 60 euros diários das caixas multibanco porque não tem cartão, diz a rir. “Nunca pensei que fosse preciso! E indo ao banco cada vez que precisava era mais poupada.”

Ainda que haja procedimentos especiais para os reformados que não têm cartão – várias dependências dos bancos vão estar abertas para poderem levantar as suas pensões – Katerina está fora deste mecanismo, porque não é reformada. “Devo ser a única pessoa com menos de 50 anos sem cartão.”

No referendo, vai votar, e claro que vai votar “sim”. “Quero ficar na União Europeia, quero ficar no euro. Já imaginaram o que é ficarmos isolados aqui? É que não é o mesmo que Portugal sair. Olhem para os nossos vizinhos… Somos a porta de entrada do mundo árabe. Quão desamparados ficaríamos?”

A seu lado, Philip, que trabalha na mesma loja onde estão alinhados colares finos e pedras preciosas, diamantes e esmeraldas sempre minimalistas seguindo uma técnica grega antiga, vai concordando com tudo o que ela diz. O colega – óculos de massa em degradé de castanhos, cabelo de corte impecável parecendo que acabou de sair do cabeleireiro – sublinha apenas: “O que quer que seja será mau, mas poderá ser muito pior.”

Para Katerina, a culpa é dos partidos políticos gregos – “todos”. “São todos responsáveis por não serem claros quanto à situação”. Em relação ao Governo de Alexis Tsipras, tem uma queixa extra: “Não acho que se possa pedir emprestado e não pagar, e ainda vir dizer mal de quem nos emprestou.”

A decisão errada
Numa farmácia perto, Vaso, 34 anos, Effi, 36, e Georgia, 48, franzem o sobrolho ao pedido para responderem a perguntas de jornalistas, mas sem clientes, lá acabam por começar a falar.

“Está tudo óptimo!”, exclama Effi. E vendo que quase era levada a sério: “Não, claro que não está.” O problema com as farmácias não é só de agora, explicam as três farmacêuticas, que vão juntando frases em grego e em inglês numa miscelânea das ideias de todas. “Já antes tínhamos dificuldade no acesso a alguns medicamentos.” Mas com as restrições dos pagamentos, especialmente ao estrangeiro, e com as pessoas a querer armazenar os remédios de que precisam, em especial doentes crónicos, estão a ter dificuldades em manter os seus stocks.

Quanto a estas farmacêuticas, não há dúvidas do que querem: “ficar na Europa e ter o euro”. Sabem que o que quer que aconteça vai ser difícil, mas temem o pior. “O ‘não’ está primeiro no boletim. É difícil as pessoas perceberem tudo o que envolveria voltar ao dracma. Tenho medo que tomem a decisão errada.”

Na mesma rua, experimentamos o meio mais rápido de sair de uma loja da Prada. É dizer que se é jornalista e fazer uma pergunta sobre como a crise afecta o negócio, e em três tempos a cara do interlocutor que estava sorridente desfaz-se numa expressão de horror e já se está na rua.

Noutra loja perto – de uma marca de luxo internacional, chamemos-lhe assim, a pedido do interlocutor, que não quer dar o seu nome nem que seja publicado o da loja – o que tem alimentado o negócio são os turistas. “Os gregos já há algum tempo que não querem comprar. Não é uma questão de limites de dinheiro, vem antes disso. É uma questão de disposição, de sentimentos”, explica. “Se não sabemos o que vai acontecer amanhã – não sabemos sequer se vamos estar no euro ou fora na segunda-feira – como vamos comprar?”

Fora do controlo
Para este gestor de cabelo grisalho com ar a condizer com a loja que representa, uma linha de turistas asiáticos a ir e vir, “as duas escolhas são más”. Ele não se compromete a afirmar qual na sua opinião será a do mal menor. Mas uma coisa quer dizer: “Não queremos sair, mas sentimos que os europeus não estiveram do nosso lado. Aquilo que nos propuseram quer dizer que daqui a seis meses estaríamos na mesma, daqui a um ano na mesma. Não é solução.”

O que está a acontecer, acha, é algo “completamente fora do controlo” – e ele sente-se no meio. “Eles jogam, e ninguém sabe. Ninguém sabe nada, nem sequer se eles próprios sabem o que estão a fazer.”

Com este sentimento de perigo e urgência, os defensores do “sim” foram manifestar-se em frente ao Parlamento, enchendo a praça Syntagma – na véspera tinham sido os apoiantes do “não”, que também tinham enchido a praça. Ambas as manifestações mostraram quantidades impressionantes de pessoas com bandeiras e slogans.

A atmosfera era semelhante em ambas, talvez mais animada na primeira. Os apoiantes do “não” sentem alguma alegria. “É a primeira vez em cinco anos que podemos dizer que estamos contra, uma oportunidade que pedimos vezes sem conta.” Já os apoiantes do “sim” sentem que  estão a ser postos numa situação que ameaça o seu modo de vida de um modo que lhes escapa.

“Que competência tem Alexis Tsipras para jogar assim o nosso futuro ao desbarato?”, diz Nestor, 29 anos, o único de quatro amigos com bandeiras da União Europeia na mão que aceita falar. “Se não fosse a União Europeia não tinha estudado fora, não tinha tido oportunidades. O que será de nós sem esta ligação? Vamos voltar atrás décadas.”

Enquanto há gregos que não têm dinheiro suficiente para se preocupar com os controlos de capital, havia relatos de muitos gregos a comprarem bens para não terem dinheiro no banco: ouro, por exemplo, que não se desvalorizava. Desde o início da crise houve muitas pessoas a comprar ouro, em barras ou em moedas de libras.

Ouro roubado em casa
Mas no escritório da Kappa Change, uma das empresas que trabalha com compra a venda de ouro, o que se nota não é compra. “Nos últimos dias esteve tudo completamente parado”, comenta Maria Kourbouzou, 33 anos, uma das duas pessoas no escritório, pequeno mas com porta de segurança, e com revistas de moda para quem espera. “Antes, houve mais movimento, mas no mercado da venda do dólar.”

O que notaram foi “muitas pessoas a telefonarem e pedir conselhos”. “Se deviam vender o ouro para o caso de faltar dinheiro, ou pelo contrário, se deviam tirar o dinheiro do banco e comprar ouro”, conta a irmã mais velha, Athina, 36 anos (esta é uma empresa familiar).

“Nós dizemos que o pânico não ajuda”, diz Maria. “E ao ter o dinheiro ou o ouro em casa arriscam-se: ainda esta semana um prédio de 16 apartamentos de uma amiga no centro de Atenas foi todo assaltado – roubaram todos os 16 apartamentos, não escapou nem um!”

Por isso, o conselho que dão: “Temos de ter calma.” Apesar de a situação ser muito confusa. “Nós votámos no Tsipras”, admitem. “Pareceu-nos bem. Agora não sabemos – foi certo? Foi errado?”

A verdade “é que foi o único a ir contra, a tentar um acordo melhor”. Isso não quer dizer que votem “sim” no domingo. Maria parece mais inclinada para o “não”. “A situação pode ficar pior, pode haver desemprego, mas desemprego já havia com o Governo anterior…”. Athina contrapõe: “Como esta empresa é do nosso pai, é muito difícil, porque pode ser ainda pior…”

“Nunca fomos muito políticos”, concluem. “E o que se passa hoje é demasiado confuso.” 

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