Num país envelhecido como o Japão, a morte é um bom negócio

Apesar de o número de óbitos estar a aumentar, o montante que as pessoas estão dispostas a gastar em funerais está em declínio. Mas a indústria funerária esmera-se em invenção.

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Urna funerária com cristais svarovski Ko Sasaki/The Washington Post
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pelo preço certo, as suas cinzas podem ser colocadas nestas cápsulas e enviadas para o espaço Ko Sasaki/The Washington Post
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Porque não um caixão ilustrado, com a foto do falecido ou quaisquer outras imagens? Ko Sasaki/The Washington Post

Num país que está a registar mais óbitos do que nascimentos anualmente, as empresas estão a encontrar maneiras de potenciar o dinheiro que cada um está disposto a se descartar dos seus restos mortais, seja na preparação de “notas finais”, na escolha dos caixões ou nos indispensáveis preparativos para que as suas cinzas possam ser atiradas para o espaço ou convertidas em diamantes.

“Quero promover os nossos produtos porque todos os anos morrem quase 1,2 milhões de pessoas, mas ainda vendemos apenas 60 mil [tapetes]”, explica Koichi Fujita, representante de uma empresaque comercializa almofadas e tapetes tatami para caixões. Os números em que baseia o seu argumento já estão desactualizados: no ano passado, o Japão despediu-se de 1,3 milhões de cidadãos, e deu as boas vindas a apenas um milhão de bebés.

A empresa de Fujita era uma das muitas expositoras da feira Endex, um evento inteiramente dedicado ao planeamento para o fim da vida, que tomou conta de um dos maiores centros de exposições de Tóquio.

“Os japoneses passam toda a vida em cima de tapetes tatami”, diz Fujita, referindo-se ao tradicional revestimento de palha que se encontra em quase todos os quartos no país. “E há um ditado popular que diz que as pessoas querem morrer sobre um tapete tatami, ou seja, que querem morrer em casa. Uma vez que tantas pessoas acabam por morrer no hospital, esta é uma oportunidade de terem o seu tatami no caixão, para a despedida”, esclarece.

O Japão tem a população mais envelhecida do mundo. Mais de um quarto da população tem 65 anos ou mais, e as estimativas do Ministério da Saúde prevêem que em 2060, serão 40%. 

O consumidor idoso
Não admira, por isso, que grande parte da vida quotidiana no Japão esteja virada para os séniores. Entra-se numa loja de conveniência e encontram-se prateleiras repletas de fraldas para adulto e copos com palhinha – para os velhinhos. Nos balcões das agências bancárias e dos estações de correios há óculos graduados para ajudar os clientes que estão a perder a visão, e nas passadeiras há botões para aqueles que precisam de mais tempo para atravessar a rua.

A Panasonic tem uma linha de electrodomésticos – panelas para cozinhar arroz, microondas, máquinas de lavar – mais fáceis de usar, lançada para o público mais idoso. Nas secções de congelados, há refeições prontas a comer com porções apropriadamente mais reduzidas para a terceira idade.

Assim, o negócio da morte apresenta-se como uma clara oportunidade. Os japoneses até têm uma palavra para a descrever: Shukatsu, que quer dizer preparar-se para morrer. É um jogo de palavras que remete para a expressão de procurar emprego.

“Segundo as projecções do Governo, em 2038 vamos ter 1,68 milhões de pessoas a morrer”, afirma Midori Kotani, cientista social no Instituto de Investigação Dai-Ichi Life, que está integrado numa companhia de seguros. “Como há muito mais pessoas a morrer do que a nascer, é aí que residem as oportunidades de negócio”, justifica.

Na primeira edição da Endex (Life Ending Industry Expo), mais de 200 empresas competiam por uma fatia maior da indústria funerária, que segundo o comité organizador da feira está avaliado nuns impressionantes 41 mil milhões de dólares.

Ali estavam os previsíveis caixões, lápides e os últimos modelos de carros funerários. Mas também monges budistas que lembravam que as pessoas não andam a cumprir os ritos anuais, ou empresas de café que esperavam vender os seus produtos como “lembranças” a distribuir pelos participantes num funeral, cumprindo assim a tradição local.

Também havia um crematório móvel para animais de estimação: uma empresa que se dispõe a estacionar a carrinha apetrechada com o forno à porta de casa, e a transformar o Bobby ou o Tareco em cinzas. Um cão até cinco quilos custa cerca de 300 dólares e demora uma hora a cremar. Já a cremação de um hamster é consideravelmente mais barata, e menos demorada.

O espaço é o limite
As novidades estendiam-se também aos produtos destinados a seres humanos.

“Muitas pessoas alimentaram durante anos o sonho de ir ao espaço”, diz Hirohisa Deguchi da Galaxy Stage, uma empresa especializada em enviar pequenos contentores de cinzas metálicos para o espaço (e, por coincidência, o seu apelido significa “saída”). “Pomos as cinzas nesta cápsula e lançamo-las num foguetão”, exemplifica.

Cinco pessoas tiveram os seus restos lançados para o espaço, e há outras cinco com descolagem marcada para o próximo mês.

O “memorial espacial” mais barato – o procedimento consiste em lançar as cinzas numa cápsula para o espaço, que depois se desfaz ao reentrar na atmosfera terrestre – custa cerca de 3700 dólares. Outra alternativa, orçada em oito mil dólares, pode ser entrar em órbita num satélite, que a família pode seguir, através de um GPS, durante pelo menos 240 anos. A opção de luxo, que consiste em depositar uma cápsula com as cinzas na lua, custa uns astronómicos 21 mil dólares.

Para quem preferir ficar por terra firme, a empresa Heart in Diamond oferece a possibilidade de converter o cabelo ou as cinzas numa pedra preciosa. Com preços que podem variar entre os 3000 e os 20 mil dólares, a companhia disponibiliza uma vasta gama de diamantes coloridos, incluindo laranja, azul ou verde, em diferentes tamanhos e quilates.

A maioria dos clientes são mulheres que desejam manter as suas mães por perto, informa Naoto Kikuchi, o director da empresa, assoberbado com o movimento no seu stand de exposição. Há uma razão especial para que este tipo de “joalharia lutuosa” seja tão apelativo para as mulheres japonesas: “Quando as mulheres são casadas, são enterradas junto da família do marido e não da sua. Estas jóias são uma maneira de ficar sempre perto da família de nascimento”, explica.

Fazer gastar mais
Mas há ainda outra razão por trás desta necessidade de inovação no negócio do shukatsu: apesar de o número de óbitos estar a aumentar, o montante que as pessoas estão dispostas a gastar em funerais e outras cerimónias mortuárias está em declínio. Isso quer dizer que, do ponto de vista da indústria, o crescimento estagnou, nota Kotani, do Instituto Dai-ichi.

“Numa cidade como Tóquio, cerca de 30% das pessoas que morrem não têm funeral, vão directas para a cremação. E o dinheiro que é gasto em cada funeral tem vindo a diminuir”, diz Kotani, acrescentando que a tendência para a moderação e frugalidade se explica pelo facto de muitos idosos não quererem tornar-se um factor de stress ou um fardo económico para as suas famílias.

“E é por isso que os empresários do sector têm de encontrar maneiras de maximizar os montantes gastos por cada morte, e que tenham aparecido serviços a oferecer o envio de mensagens em vídeo deixadas pelos mortos ou o lançamento de cinzas no espaço”, prossegue Kotani.

Entre as 22 mil pessoas que pagaram entrada para a exposição em Tóquio estava Mariko Saiko, uma viúva de 68 anos. “Ouvi falar disto na televisão”, contou, enquanto avaliava diferentes modelos de urnas budistas. “Eu não quero ser enterrada no mesmo túmulo que o meu marido, porque nunca me dei bem com a família dele”, admite, entre risos. “Por isso, quero saber o que se pode fazer e pensar no que eu posso pagar, para depois comunicar os meus planos à minha filha, quando ela me vier ver no Ano Novo”, diz.

Do ponto de vista do negócio, o incentivo para agradar a potenciais clientes como Saito é a inovação: é preciso descobrir novas formas de fazer dinheiro com a morte. Até porque, como remata Kotani, “as pessoas só morrem uma vez”.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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