NSA acompanha movimentos de pessoas em todo o mundo através dos telemóveis

Objectivo é identificar suspeitos de terrorismo, mas sucesso do programa depende do registo da localização de pessoas inocentes.

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A única solução é "ir viver para uma caverna", ironiza defensor dos direitos de privacidade Toby Melville/Reuters

A Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana intercepta e acompanha o movimento de qualquer pessoa através dos telemóveis, mesmo que o sistema de localização não esteja activado. Tal como acontece com o registo de chamadas telefónicas e de emails, o objectivo, segundo a NSA, é identificar suspeitos de actividades criminosas, mas a agência só pode obter resultados se também registar os movimentos de centenas de milhões de cidadãos anónimos, sem qualquer interesse para a chamada "luta contra o terrorismo".

A cada dia que passa, a NSA recolhe e guarda cinco mil milhões de dados sobre localização, referentes a centenas de milhões de telemóveis, avança o jornal The Washington Post, com base em documentos obtidos pelo analista informático Edward Snowden.

As ferramentas usadas neste programa – conhecidas pela designação conjunta Co-Traveler – permitem depois isolar pessoas que costumam estar na presença de suspeitos de terrorismo e que passam também elas a serem alvos de outras actividades de vigilância mais específicas.

Os dados podem ser interceptados a partir do momento em que um telemóvel é ligado, num processo que dispensa a activação dos serviços de localização por parte dos utilizadores. Isto acontece porque os telemóveis comunicam com as torres das operadoras assim que são ligados para poderem obter rede, por exemplo. Durante esse processo, o telemóvel transmite várias informações automaticamente, entre as quais a sua localização aproximada.

Em conjunto com as suas próprias ferramentas, a NSA consegue determinar a posição exacta e acompanhar os movimentos de pessoas a uma escala planetária, guardando toda essa informação numa base de dados conhecida como FASCIA, revelam os documentos obtidos por Edward Snowden.

O volume de dados sobre localização de telemóveis armazenados pela NSA ascende aos triliões, segundo o The Washington Post, e está a "ultrapassar a sua capacidade de recolher, processar e guardar" este tipo de informação em particular, lê-se num memorando interno da agência, datado de Maio de 2012. Para ultrapassar problemas como este, está a ser construído um novo centro de dados no estado do Utah.

"Ir viver para uma caverna"
Na prática, o objectivo da NSA é acompanhar os movimentos de um suspeito de terrorismo que já está identificado e vasculhar os aparelhos que estão na sua proximidade. Se os analistas identificarem um padrão – uma presença constante de um telefone desconhecido até então na mesma área, por exemplo –, a lista de suspeitos aumenta.

Para as associações defensoras dos direitos de privacidade, este sistema de vigilância tem dois problemas – por um lado, acompanha os movimentos de pessoas antes de elas poderem vir a ser consideradas suspeitas; e, por outro lado, acompanha também os movimentos de pessoas que nunca serão consideradas suspeitas de qualquer actividade criminosa.

"Um dos componentes essenciais dos dados de localização, e a razão pela qual são tão sensíveis, é que as leis da física não permitem que se mantenham privados", disse ao The Washington Post o responsável pelas questões tecnológicas da União Americana para as Liberdades Cívicas. Para Chris Soghoian, quem quiser escapar a esta vigilância permanente só tem uma solução: "A única forma de esconder a nossa localização é desligarmo-nos do nosso actual sistema de comunicação e ir viver para uma caverna."

O jornal norte-americano ouviu também alguns responsáveis da NSA, que falaram sob a condição de anonimato, mas com autorização da agência. As suas declarações tiveram como objectivo tentar tranquilizar o público norte-americano: sim, é verdade que a NSA recolhe "grandes volumes" de dados sobre localização de pessoas, mas isso acontece em todo o lado menos nos Estados Unidos.

Tal como a intercepção de chamadas telefónicas, de emails ou do historial de navegação na Internet, o registo da localização de um telemóvel é proibido por lei nos EUA, se os alvos forem cidadãos norte-americanos em território dos Estados Unidos. O mesmo não acontece em relação a cidadãos estrangeiros fora do território norte-americano e que os serviços secretos considerem suspeitos de terrorismo ou "alvos de interesse". Neste caso, a NSA invoca a ordem executiva 1233, assinada pelo Presidente Ronald Reagan há 32 anos, e que permite, grosso modo, a realização de qualquer tipo de vigilância que não seja proibida pela Constituição dos EUA.

Para além das relações entre os utilizadores de telemóveis, o Co-Traveler permite também identificar comportamentos considerados suspeitos – e, neste caso, há comportamentos de protecção de segurança que são comuns entre terroristas, mas também entre alguns jornalistas ou dissidentes políticos. Por exemplo, o sistema transforma em "alvo de interesse" uma pessoa que troque de telemóvel várias vezes e que use cada um deles para fazer chamadas breves.

A grande questão que se coloca a todos estes programas de vigilância que têm sido revelados pelo analista informático Edward Snowden é que o seu sucesso implica o registo de comunicações e de movimentos de pessoas que não estão nem nunca estarão envolvidas em actividades que a NSA pretende neutralizar.

O objectivo é deter terroristas, mas as associações de defesa dos direitos de privacidade receiam também que os dados recolhidos possam ser usados para outros fins – seja com um objectivo definido, seja por uso indevido por parte de alguns analistas. A certeza é só uma e está resumida num parágrafo da notícia do The Washington Post: "Os analistas [da NSA] podem localizar telemóveis em qualquer lado do mundo, reconstituir os seus movimentos e expor relações escondidas entre os seus utilizadores."
 
 

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