A história do jovem que inventou uma vida paralela e enganou os espanhóis

Nicolás Iglesias fez-se passar por alguém que nunca foi e até chegou a frequentar festas da realeza. Foi detido na semana passada.

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Francisco Nicolás cumprimenta o rei Felipe VI, numa recepção no Palácio Real após a cerimónia de coroação no Congresso (à esq.) O jovem com José Maria Aznar (à dir.) DR/Facebook

Na faculdade, onde estudava Direito, os colegas não o viam muitas vezes na sala de aula. Mas achavam que um dia poderia chegar a presidente do Governo. No bairro onde cresceu, dizem que tinha "o dom da palavra" desde muito cedo. Em Espanha, ninguém sabe como é que Francisco Nicolás Gómez Iglesias, um jovem de 20 anos, conseguiu fazer-se passar por alguém que na verdade nunca foi.

O poder de oratória e argumentação eram características que o distinguiam desde muito novo. No bairro onde cresceu, os vizinhos dizem agora à imprensa espanhola que o pequeno Nicolás tinha "o dom da palavra".

E nesta história que parece mais perto da ficção do que da realidade, até o nome do bairro humilde de Madrid onde Nicolás cresceu é irónico: Prosperidad. No bairro, onde vivem os pais (o pai trabalha nas entregas e a mãe é auxiliar numa agência), os vizinhos estranhavam os sinais de riqueza ostentados pelo jovem.

Francisco Nicolás passeava-se bem vestido, conduzia ou era conduzido em carros de luxo, dizia-se assessor do Governo. Mais do que dizer que tinha influência junto das mais altas patentes, Nicolás comportava-se como se tivesse essa influência e esse poder. E isso ter-lhe-á dado acesso a eventos tão exclusivos quanto a recepção que os reis Felipe e Letizia ofereceram no Palácio Real após a cerimónia de coroação no Congresso, em Junho. Francisco Nicolás conseguiu até uma fotografia a cumprimentar Felipe VI e partilhou-a nas redes sociais.

Por estes dias, o jovem aparece ao lado de outras figuras ilustres em fotomontagens satíricas que circulam pela Internet – por exemplo, Nicolás abraçado a Darth Vader, da saga Guerra das Estrelas, ou comentários como "neste país, se não tens uma foto com Francisco Nicolás, não és ninguém". 

Nicolás alicerçava as suas mentiras nesse mesmo princípio: aparecer lado a lado com caras conhecidas, com a elite, e deixar que as aparências fizessem o resto. Fazia-se fotografar com a elite do poder político e económico, partilhando os retratos na sua página de Facebook que foi entretanto desactivada. Nicolás ao lado de José Maria Aznar, Nicolás com ilustres economistas... 

De acordo com o jornal Voz de Galicia, no passado mês de Agosto o jovem terá mesmo levado a população do município de Ribadeo a acreditar que o rei Felipe VI iria visitar a localidade, mobilizando inclusivamente forças policiais para o efeito. Mas o rei não apareceu: Nicolás afirmou – e a imprensa local publicou – que uma indisposição tinha impedido o rei de estar presente.

Nicolás diz que morava com a avó, mas os vizinhos do senhora de 90 anos dizem nunca o ter visto pelas redondezas. Ora se fazia passar por membro do Governo, ora por assessor económico, ora por membro do Centro Nacional de Inteligência (CNI) espanhol, consoante a ocasião ditasse. Para os vizinhos, ele viveria num bairro de classe alta. 

Mas as mentiras e esquemas de Nicolás terminaram na passada terça-feira, ao ser detido pela polícia espanhola com acusações de burla e usurpação de identidade. A denúncia foi feita por um bancário que diz ter sido abordado e chantageado pelo jovem.

Nas declarações que prestou à polícia, a vítima diz que Nicolás lhe assegurou que a sua mulher estava a ser investigada pelas Finanças. O jovem pediu então dinheiro para fazer com que o caso desaparecesse, alegando ter poder junto do Governo. Prometeu ainda ao bancário (como terá feito noutras ocasiões com outras pessoas) a participação em negócios lucrativos e operações imobiliárias que teriam o apoio do Executivo espanhol.

De acordo com os investigadores, o jovem fazia o trabalho de casa e preparava bem os seus esquemas: neste caso fazia-se acompanhar de documentos que ostentavam o carimbo oficial do Palácio de Moncloa.

A vítima acabaria por dar a Nicolás 25 mil euros para tratar do caso, mas as suspeitas de fraude fizeram-no contactar a polícia. Na casa de Francisco Nicolás, escreve o jornal El Mundo, os agentes descobriram autorizações falsas para a entrada de veículos no Palácio de Moncloa e crachás da Guarda Civil e da Polícia Municipal. Num dos carros alugados pelo jovem, encontraram ainda sirenes de emergência, que o jovem utilizaria para fugir ao trânsito e corroborar o seu estatuto. 

A 17 de Outubro, em audiência perante a juíza, o jovem foi interrogado durante sete horas. O médico forense descreveu as declarações de Nicolás como uma "delírio megalómano". Nicolás reafirmou pertencer ao Partido Popular (PP), embora o partido já tenha vindo dizer o contrário: o jovem nunca vez parte do PP, nem foi militante das suas Novas Gerações.

Francisco Nicolás diz ter gasto o dinheiro que "angariou" com as burlas no pagamento de dívidas de alugueres de automóveis topo de gama e em restaurantes de luxo. O jovem acabou por sair em liberdade condicional, sem pagamento de fiança. Estupefacta com o caso, a juíza disse "não entender como é que um jovem de 20 anos, com as suas meras palavras," conseguiu chegar tão longe e enganar tanta gente pelo caminho. 

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