Nem um só refugiado envolvido em terrorismo nos EUA

Mais de metade dos governadores dos estados norte-americanos recusaram receber sírios. O Congresso, dominado pelos republicanos, apoia-os, a realidade não.

Foto
Os EUA planeiam acolher dez mil refugiados sírios durante o ano de 2016 Joseph Eid/AFP

Metade dos ataques de inspiração jihadista que aconteceram nos Estados Unidos desde o 11 de Setembro foram cometidos por homens nascidos no país e nem um teve a participação de qualquer refugiado. “Praticamente nenhum estrangeiro cometeu ou tentou cometer um acto de terrorismo nos EUA” desde 2001, diz ao New York Times John Mueller, cientista político que monitoriza o terrorismo no país.

"Receber os mais vulneráveis de todo o mundo que procuram segurança na América não é uma novidade para nós. Recebemos três milhões de refugiados desde 1975, sem problemas de segurança", escreveu na semana passada o Presidente Barack Obama, numa série de mensagens nas redes sociais em resposta ao Acto de Segurança, uma iniciativa legislativa republicana para apoiar os 30 governadores que disseram não aceitar sírios depois dos atentados de dia 13 em Paris. O jornal The New York Times foi confirmar as origens de todos os envolvidos em atentados desde o 11 de Setembro de 2001 e concluiu que em nenhum houve participação de refugiados.

Os 19 suicidas dos atentados de Washington e Nova Iorque, 15 dos quais tinham nascido na Arábia Saudita, estavam no país com vistos de turismo, estudo e negócios. Desde então, estes têm sido os estatutos dos estrangeiros por trás de ataques ou tentativas de ataques, uma minoria quando comparados com os nascidos nos EUA ou naturalizados.

Os ataques mais violentos foram cometidos por cidadãos norte-americanos como Nidal Malik Hassan, o psiquiatra do Exército nascido na Virgínia, que matou 13 pessoas em Fort Hood, no Texas, em 2009. A investigação concluiu que Hassan agiu sozinho e que não tinha ligações a nenhum grupo, apesar de uma troca de mensagens com Anwar al-Awlaki, o americano radical que pregava no Iémen e aí foi morto por um drone.

Já este ano, Elton Simpson e Nadir Hamid Soofi foram mortos pela polícia depois de dispararem contra um centro cultural onde decorria uma exposição de cartoons de Maomé e uma conferência anti-islão. Abdul Malik Abdul Kareem foi depois acusado de ter ajudado a preparar o ataque. Os três nasceram nos Estados Unidos.

Já no caso dos irmãos responsáveis pelas bombas na maratona de Boston, que fizeram três mortos e deixaram mais de 260 pessoas feridas, há dois anos, Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev viviam no país desde que os pais tinham recebido asilo político. Dzhokhar era cidadão norte-americano, Tamerlan tinha um green card, uma licença de residência e de trabalho temporária pensada para “imigrantes tecnológicos”, que dá acesso à totalidade do mercado de trabalho norte-americano e normalmente antecede a residência permanente.

O estatuto de asilo que os pais Tsarnaev tinham recebido envolve um processo bem menos extenso e complexo do que o actualmente em vigor para conceder estatuto de refugiado a um iraquiano ou um sírio. O que os governadores e congressistas querem é impedir os EUA de receber dez mil sírios que a Administração se disponibilizou para acolher ao longo de 2016. Um número que a ONU e as organizações de defesa dos direitos humanos consideram minúsculo, num conflito que já fez mais de quatro milhões de refugiados.

O sistema actual é tão rigoroso que demora 18 a 24 meses e envolve investigações do Departamento de Segurança Interna, Departamento de Estado, Departamento da Defesa, Centro Nacional de Contraterrorismo e do FBI. O Acto de Segurança, já aprovado pela Câmara dos Representantes (falta o Senado, onde só será votado depois do feriado de Acção de Graças, nunca antes de dia 30 de Novembro), obrigaria ainda o secretário da Segurança Nacional, o director do FBI e o responsável por todas as agências de serviços secretos a assinarem uma carta garantindo em nome pessoal que cada candidato a refugiado não representa uma ameaça para o país. O Presidente Obama considera esta exigência inaceitável e já disse que vetará a lei, se esta passar no Senado.

Entre os candidatos do Partido Republicano à presidência há quem compare sírios a cães raivosos, como o cirurgião reformado Ben Carson, e quem admita emitir bilhetes de identidade especiais para muçulmanos – foi o que fez Donald Trump, afirmando ainda que deportará todos os refugiados sírios se for eleito. Dos 2000 sírios que já estão no país como refugiados, metade são crianças, um quarto tem mais de 60 anos.

Dos norte-americanos envolvidos em atentados nos EUA, alguns eram recém-convertidos ao islão, pelo menos três tinham já cadastro e um era doente mental. Um ter-se-á radicalizado depois de passar algum tempo no Iémen.

Entre os estrangeiros envolvidos em atentados ou tentativas de ataque, a maioria entrou nos EUA com um visto de turismo ou então nem precisou de visto, como Richard C. Reid, conhecido como “o bombista dos sapatos”, que tentou detonar explosivos escondidos nos sapatos num voo de Paris para Miami, ainda em 2001. Reid era britânico, por isso não precisava de visto. Britânicos, belgas, franceses e cidadãos de mais 35 países podem entrar e permanecer nos EUA por 90 dias – os especialistas de segurança defendem que estas viagens de rotina são um risco bem maior do que a eventual ameaça colocada pelo programa de refugiados.

David Sterman, investigador do Programa de Segurança Nacional no think tank New America, sublinha precisamente que há muitos nacionais de países que não precisam de visto para entrar nos EUA a combater ao lado de jihadistas na Síria ou no Iraque. “Mais restrições para aceitar refugiados não resolvem a vulnerabilidade mais provável a ataques vindos de fora, que é o grande número de pessoas de países que não precisam de visto envolvidos no conflito na Síria.”

Sugerir correcção
Ler 4 comentários