Pedro Preto, o ajudante negro de São Nicolau, envolto em polémica

Na Holanda, um escravo negro é um dos protagonistas de uma das festas tradicionais do país mas a figura deixa as minorias do país desconfortáveis. Uma falsa carta da ONU motivou protestos por parte dos apoiantes da tradição.

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Milhares de holandeses saeam às ruas todos os anos disfarçados de Zwarte Piet Koan van Weel/AFP

Uma tradição de Natal na Holanda motivou uma consultora da ONU a abrir uma investigação falsa para chamar a atenção sobre o seu racismo. As Nações Unidas, no entanto, desmentiram que houvesse uma investigação - a consultora tinha abusado da sua posição e do nome da ONU. No entanto, a polémica está lançada e já houve manifestações com centenas de pessoas que apoiam o Zwarte Piet.

Segundo a lenda natalícia na Holanda, São Nicolau - uma das inspirações para a figura moderna do Pai Natal - designado como Sinterklaas, tem como ajudantes um grupo de trabalhadores que se vestem de pajens, são maldosos e… negros. Todos os anos são organizados em várias cidades desfiles em que uma multidão se veste com as roupas do Zwarte Piet (qualquer coisa como o Pedro Preto), pinta a cara de negro e os lábios de vermelho e coloca uma peruca afro.

Estes ajudantes de São Nicolau remontam a uma tradição que tem mais de 150 anos, e lembram os tempos em que a Holanda era uma potência imperial e uma das maiores importadoras de escravos. Originalmente, o Zwarte Piet era apresentado às crianças como uma figura assustadora, algo como o bicho papão, que castigava as crianças mal comportadas, metendo-as num saco e levando-as para a terra ficcional de São Nicolau, em Espanha.

Actualmente, a cor escura das faces desta personagem é explicada pela cinza das chaminés por onde tem de passar para deixar os presentes e é mostrado mais como um palhaço animado do que como um ser maldoso. O dia 5 de Dezembro marca a chegada de São Nicolau, que vem de barco a vapor até um canal de Amesterdão. É nesse dia que é realizado o maior desfile de Natal, com direito a transmissão televisiva, e em que participam milhares de pessoas, muitas delas vestidas como Zwarte Piet.

A carta falsa

As semelhanças entre o ajudante de São Nicolau e um escravo proveniente das antigas colónias holandesas das Caraíbas são por de mais evidentes e isso tem motivado protestos das comunidades daqueles países. No entanto, este ano a polémica chegou mesmo à ONU.

Nas últimas semanas, uma carta, alegadamente da autoria de uma comissão para os direitos humanos da ONU, revelava que o órgão estava a considerar abrir uma investigação ao carácter racista dos festejos natalícios na Holanda.

“Algumas práticas, que são parte da herança cultural, podem infringir os direitos humanos”, começava por dizer a carta. “A caracterização mediática, cultural, social ou tradicional negativa de pessoas que pertencem a uma minoria pode constituir racismo e pode ser degradante para os membros dessas comunidades, no caso presente pertencentes às populações negras e de descendência africana, e pode perpetuar estereótipos negativos na sociedade”, continuava.

A carta, assinada pela jamaicana Verene Shepherd, sublinhava que “uma crescente oposição ao perfil racial do Zwarte Piet dentro da sociedade holandesa, incluindo pessoas de origens não africanas, devia ser notada”. “No entanto, verifica-se também que nenhuma resposta foi dada às associações que defendem os direitos dos africanos e dos descendentes de africanos na Holanda, que estão a pedir um diálogo sobre o tema”, concluía a carta.

Ainda antes de se vir a concluir da falsidade da carta da ONU, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, veio a público defender a tradição do Zwarte Piet, afirmando que uma tradição não deve ser definida por leis ou proibições. “O Zwarte Piet é negro, e não há muito que possamos fazer para mudar isso”, disse Rutte, na altura.

Abuso de posição

Dias mais tardes, Marc Jacobs, um responsável da UNESCO veio desdizer qualquer investigação sobre a tradição natalícia da Holanda, revelando que a autora da carta falsa abusou da sua posição dentro da ONU. “Ela é apenas uma consultora que abusou do nome da ONU para trazer a sua própria agenda para os media. Toda a comoção que a sua carta causou não foi mais do que uma má jogada de grupos de pressão da Holanda”, afirmou Jacobs ao Algemeen Dagblad.

A tradição de Natal holandesa está salva para mais um ano e a multidão de Zwarte Piet vai poder sair às ruas de Amesterdão, mas a carta falsa da ONU já deixou marcas. Uma página no Facebook de apoio à tradição conseguiu, logo no primeiro dia, um milhão de subscritores, tornando-se em pouco tempo na página mais popular na Holanda. Uma petição que se dirigia à ONU reuniu mais de dois milhões de assinaturas.

Ainda na semana passada, o Zwarte Piet teve outra demonstração de carinho dos holandeses, quando numa manifestação em Haia, centenas de pessoas quiseram mostrar o seu apoio à tradição, muitas delas mascarando-se a preceito, de acordo com a AFP.

Notícia corrigida às 16:39 - Explica-se a distinção entre o Pai Natal e São Nicolau.
 

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