“Não há mercado único à la carte”, diz Bruxelas ao Reino Unido

Líderes europeus reuniram pela primeira vez sem o Reino Unido para determinar que tipo de relações pode haver entre a UE e Londres no futuro.

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Juncker e Tusk falaram lado a lado após encontro informal a 27 François Lenoir / Reuters

Em Bruxelas não há dúvidas: se o Reino Unido quiser ter acesso ao mercado interno europeu terá de implementar as quatros liberdades fundamentais da União, incluindo a livre circulação de pessoas. Esta foi a grande conclusão da reunião informal entre os líderes dos 27 Estados-membros da União Europeia e que marcou o primeiro momento de reflexão conjunta do bloco comunitário na ressaca da vitória do “Brexit” no referendo de dia 23.

A reunião desta quarta-feira em Bruxelas seria histórica simplesmente pela sua existência. Pela primeira vez em 40 anos, os líderes da União Europeia reuniram-se sem o Reino Unido. A “reunião informal” — a designação diplomática encontrada para não utilizar a expressão cimeira, uma vez que o Reino Unido continua a fazer parte da UE — serviu para lançar as bases daquilo que poderá ser o futuro da União sem os britânicos.

Eram conhecidas as divisões em relação à forma de como lidar com a saída britânica. Os defensores da tese do “divórcio doloroso”, que insistem no início imediato e sem contemplações do processo de saída do Reino Unido, opõem-se aos mais moderados, onde Berlim se encontra, que pedem alguma paciência. A posição comum acabou por fazer alinhar os princípios comunitários inegociáveis com o timing de que Londres necessita para deixar “assentar a poeira”.

“Não há acesso ao mercado interno à la carte,” disse o presidente da  Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, após a reunião. “Aqueles que querem ter acesso imediato ao nosso mercado interno têm de implementar as quatro liberdades sem excepção, incluindo a liberdade de circulação de pessoas,” acrescentou. A estratégia de Bruxelas é deitar por terra, desde cedo, um dos principais argumentos dos defensores do “Brexit”: o de que seria possível negociar um estatuto para o Reino Unido que não privasse os britânicos do acesso ao mercado único europeu.

Na véspera, a chanceler alemã, Angela Merkel, já tinha avisado os britânicos que não seria possível “escolher as cerejas”, ou seja, não pode haver um cumprimento selectivo de alguns princípios comunitários em detrimento de outros.

À saída da reunião desta manhã, Merkel mencionou o exemplo da Noruega como prova de que não se pode ter acesso ao mercado único sem permitir a circulação de pessoas. Quando questionada sobre se seria possível ao Reino Unido controlar a imigração tendo ao mesmo tempo acesso ao mercado interno, Merkel disse que tal “não parece ser possível, em princípio.” O único mecanismo que o possibilitaria serve apenas para casos temporários e em momentos de emergência.

Durante o jantar de terça-feira, o primeiro-ministro demissionário britânico, David Cameron, explicou aos seus parceiros que foi o receio de um “fluxo migratório massivo” por parte do eleitorado que levou à vitória do “Brexit” no referendo.

A UE não fecha a porta a futuros acordos com o Reino Unido, pondo de lado muito claramente a opção pelo “divórcio doloroso”. “No futuro, esperamos ter o Reino Unido como um parceiro próximo da UE e esperamos a posição do Reino Unido a este respeito”, disseram os líderes europeus.

Saída "ordeira"

Os próximos passos devem ser dados por Londres. “Cabe ao Governo britânico notificar o Conselho Europeu da intenção do Reino Unido de abandonar a União”, lê-se na declaração conjunta final do encontro. Mas, ao contrário das primeiras posições de alguns responsáveis europeus, o texto refere a necessidade de uma saída britânica “de forma ordeira”.

É desta forma que foi ultrapassada a principal divergência no seio da UE e que emergiu logo nos primeiros dias após o referendo sobre a saída do Reino Unido. Os líderes europeus hesitaram entre uma resposta mais dura em relação a Londres — em que se exigia rapidez no processo de saída — e uma posição mais moderada e que levasse em consideração as dinâmicas da política interna britânica. Em concreto, está a premência da eleição de um novo primeiro-ministro, mas também a clarificação em torno do futuro do líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, muito contestado internamente.

Os líderes europeus deixaram também bem claro que este processo só poderá ter início assim que o Reino Unido accionar o Artigo 50.º do Tratado de Lisboa — logo que invocado, abre-se um período de dois anos a partir do qual o país abandona a UE — e notificar Bruxelas. “Isto deve ser feito o mais rapidamente possível. Não pode haver negociações de qualquer tipo antes que esta notificação seja feita”, declararam os Estados-membros. O Presidente francês, François Hollande, diz esperar que esse momento chegue mal tome posse um novo Governo britânico, o que deve acontecer em Setembro.

A iminente saída do Reino Unido — que “cria uma nova situação para a UE”, admite Bruxelas — serve também para que os líderes europeus abram uma discussão sobre o futuro da própria União, em breve a 27. “Há demasiadas pessoas na Europa que estão descontentes com o estado [da UE] e esperam que façamos melhor,” admitiu o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. O correspondente da BBC em Bruxelas, Laurence Peter, compara a atitude da UE à de “um general depois de perder uma batalha — mas um general determinado a continuar a guerra”.

Os esforços nesse sentido serão feitos nos domínios da “segurança, do emprego e do crescimento”, concordaram os líderes europeus sem, porém, dar mais esclarecimentos. O futuro a 27 deve começar a ser desenhado no próximo encontro informal, marcado para 16 de Setembro em Bratislava (Eslováquia).

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