Na Europa dos muros e das valas, acumulam-se as crises humanitárias

Ao longo da fronteira sérvia com a Hungria, como noutras fronteiras da Europa, já há milhares de pessoas a dormirem em fábricas abandonadas, acampamentos ou junto à vala em construção.

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Famílias à espera de um comboio que os leve à Sérvia, na fronteira entre a Macedónia e a Grécia Dimitar Dilkoff/AFP

O mundo enfrenta a maior crise de refugiados de que há registo – 60 milhões de pessoas estão hoje deslocadas dentro dos seus países ou refugiadas –, mas 85% destes encontram-se em países em desenvolvimento. Dos mais de quatro milhões de sírios que atravessaram a fronteira para não morrerem debaixo de bombas ou à fome, por exemplo, a esmagadora maioria vive na Turquia, Jordânia e Líbano. À Europa chegaram apenas algumas dezenas de milhares, incluindo muitos das 40 mil que pediram asilo e esperam em abrigos sem condições no Sul da Itália e na Grécia para serem recolocados noutros países da UE.

Os cinco a dez mil imigrantes em Calais são uma gota numa crise que chega pouco à Europa, principalmente se tivermos em conta a riqueza dos países da União face à dos que carregam o maior fardo. Esta semana, o Reino Unido, escreve em editorial o Financial Times, “tem parecido uma fortaleza que tenta desesperadamente manter fora do país milhares de imigrantes de África e do Médio Oriente que se esforçam por ultrapassar as defesas no canal da Mancha respondendo aos obstáculos como podem, unindo-se em enormes grupos”. Enquanto isso, as interrupções das viagens custam milhares por dia em perdas para as empresas britânicas e o Governo anuncia milhões em segurança e reforço de vedações.

Nada de novo. Quando, em Abril, mais de 700 imigrantes se afogaram no Mediterrâneo num só dia, Bruxelas chegou mais depressa a acordo para lançar uma missão militar de combate aos traficantes na Líbia do que para decidir o que fazer os milhares que conseguem chegar vivos ao lado de cá.

Entretanto, acumulam-se os muros, as valas, as vedações e o policiamento. A Hungria anunciou esta semana que vai acelerar a construção de uma vala de 175 quilómetros onde assentará um muro de quatro metros de altura ao largo da sua fronteira com a Sérvia – deveria estar acabada em Novembro, ficará pronta no fim de Agosto. Os sérvios protestaram formalmente com Budapeste e consideram que ficarão com milhares de refugiados vindos da Grécia e dos Balcãs encurralados dentro do seu território – sendo que, na sua esmagadora maioria, estas pessoas não querem ficar na Hungria, tentam chegar à Áustria ou à Alemanha.

O Governo nacionalista de Víctor Orban respondeu que a Bulgária lançou um projecto semelhante, estando a erguer uma barreira de 160 quilómetros com a Turquia, e que também Espanha tem cercas e valas nos seus enclaves do Norte de África.

Tudo isto é verdade e pouco disto faz sentido. “Esta é uma crise tanto de política como de imigração e só pode evoluir em dois sentidos. Ou a Europa continua a militarizar as suas fronteiras e a debater à exaustão quotas de refugiados como estes fossem lixo tóxico, ou encontra coragem e liderança para pôr em prática um sistema de asilo em que os estados membros trabalhem juntos para assegurar que os refugiados têm condições básicas para viver onde quer que cheguem”, escreve no Guardian Daniel Trilling, editor da revista New Humanist.

Ao longo da fronteira sérvia com a Hungria, como noutras fronteiras da Europa, já há milhares de pessoas a dormirem em fábricas abandonadas, acampamentos ou junto à vala em construção. “Agora é Verão e podemos instalá-los em tendas”, disse à Reuters o ministro dos Assuntos Sociais sérvio, Aleksander Vulin. “O que é que vamos fazer com crianças, doentes e pessoas mais velhas quando chegarmos aos 20 graus negativos?”
 

   

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