No Sri Lanka ainda ferido da guerra o Papa apelou à reconciliação

Visita, primeira etapa da segunda deslocação à Ásia, acontece dias depois da inesperada derrota do Presidente que derrotou rebelião tâmil e endureceu repressão no país.

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Francisco foi recebido em clima de festa à chegada a Colombo Stefano Rellandini/Reuters

Um coro de crianças, danças tradicionais, elefantes revestidos com panos festivos e uma imensa multidão acolheram nesta terça-feira o Papa à chegada ao Sri Lanka, etapa inicial da sua segunda deslocação à Ásia, uma das regiões onde o catolicismo está em rápida expansão. Auspiciosamente, a visita coincide com a surpreendente eleição de Maithripala Sirisena, o novo Presidente que prometeu pôr fim à repressão e à perseguição das minorias religiosas, num país onde seis anos depois do fim da sangrenta guerra civil as feridas continuam abertas.

Francisco não perdeu tempo e, mal aterrou em Colombo, deixou o primeiro de vários apelos à reconciliação e ao respeito pelos direitos humanos, temas explosivos numa nação que viveu 26 anos de um conflito com raízes étnicas e religiosas. Em 2011, um relatório das Nações Unidas concluiu que até 40 mil civis poderão ter morrido, em 2009, no cerco final do Exército aos Tigres Tâmil, guerrilha que lutava pela instauração de um estado independente para aquela etnia, maioritária no norte da ilha.

A derrota dos rebeldes deu ao ex-Presidente Mahinda Rajapakse o estatuto de herói entre a maioria cingalesa, permitindo-lhe reforçar o poder e rejeitar qualquer investigação independente ao desfecho do conflito.

“A grande obra da reconciliação deve atender às necessidades materiais mas deve também, e ainda de forma ainda mais importante, promover a dignidade humana, o respeito pelos direitos humanos e a plena integração de todos os membros da sociedade”, disse o Papa, num clara referência à governação de Rajapakse, que presidiu a anos de rápido crescimento económico, mas também de crescente autoritarismo e corrupção. Num aparente apoio à comissão que o novo chefe de Estado prometeu criar para investigar as atrocidades cometidas por ambas as partes, Francisco defendeu que “a busca da verdade é essencial, não para abrir velhas feridas, mas como um meio necessário para promover a justiça, a cura e a unidade”

O budismo é a religião dominante no Sri Lanka, seguido por 70% da população, sobretudo da maioria cingalesa, enquanto o hinduísmo é a religião prevalecente entre a minoria tâmil. Os católicos não serão mais de 7%, mas o Vaticano acredita que pode ter um papel importante no processo de reconciliação, aproveitando o facto de ter crentes entre as duas etnias. Mas na partida para a Ásia, Francisco disse igualmente querer contribuir para “encorajar as diferentes formas de diálogo inter-religioso” no país, confrontado nos últimos anos com uma vaga de ataques a mesquitas e igrejas, atribuídos a fundamentalistas budistas.

“Todos os membros da sociedade devem trabalhar em conjunto e terem voz. Todos devem ser livres de expressar as suas preocupações, necessidades, aspirações e medos”, acrescentou o Papa, antes de subir a bordo de um jipe descapotável em que percorreu os mais de 20 quilómetros que separam o aeroporto da cidade de Colombo, a capital comercial da ilha.

Ao longo de todo o percurso, multidões saudaram efusivamente Francisco, chegando a fazer parar o cortejo. A longa marcha, sob um calor abrasador, deixaram exausto o Papa, que acabou por cancelar um encontro com bispos locais, poupando energia para os dois momentos altos da visita. Na manhã de quarta-feira celebra uma missa à beira mar durante a qual será canonizado Joseph Vaz, missionário goês que no século XVII reergueu a presença católica na ilha, instituída pelos portugueses e perseguida depois durante a ocupação holandesa. Francisco segue depois para o santuário de Madhu, o principal local de peregrinação católica no país, situado numa das regiões mais devastadas pela guerra.

Para Sirisena, a visita do Papa é um importante palco para demonstrar a seriedade das promessas que fez depois de sexta-feira ter vencido, contra todas as expectativas, o homem que há uma década governava o Sri Lanka. Antigo ministro de Rajapakse, só em Novembro se distanciou do ex-Presidente, mas conquistou os eleitores comprometendo-se a inverter o caminho de autoritarismo e repressão seguido nos últimos anos – acabaria por vencer com 51,2% dos votos, beneficiando de uma inédita afluência às urnas, notada sobretudo nas regiões de maioria tâmil. Na tomada de posse, no domingo, prometeu “proteger os direitos dos hindus, muçulmanos e católicos”, definiu como prioridade o combate à corrupção, convidou dissidentes e opositores exilados a regressarem ao país e anunciou o fim da censura na Internet e nos jornais. As organizações de defesa dos direitos humanos não acreditam, no entanto, que Sirisena autorize uma investigação da ONU aos crimes de guerra cometidos na fase final do conflito, altura em que liderava o Ministério da Defesa.

Do Sri Lanka, Francisco segue para as Filipinas, o maior país católico da Ásia, numa visita que será centrada nas vítimas do devastador tufão de 2013 e que deverá ser acompanhada por permanentes multidões de fiéis. Francisco, o primeiro Papa não europeu em séculos, não esconde a prioridade que dá à Ásia, mas tal como deixou claro em Agosto, na visita à Coreia do Sul, insiste que a Igreja deve ser humilde e criativa na evangelização. “Os cristãos não vêm como conquistadores”, afirmou, pedindo aos padres e missionários “a abertura de espírito e coração para aceitar as pessoas e as culturas locais”.
 

   

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