Muçulmanos austríacos criticam revisão "injusta e racista" da lei islâmica

Lei foi aprovada pelo Parlamento debaixo do protesto da comunidade muçulmana, que questiona a diferença de tratamento face às outras religiões e pondera um recurso ao Tribunal Constitucional.

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O líder da extrema-direita, Heinz Christian Strache, intervém no Parlamento em frente do ministro dos Negócios Estrangeiros e Integração, Sebastian Kurz REUTERS/Heinz-Peter Bader

O Parlamento austríaco aprovou uma controversa emenda à sua chamada "lei islâmica", ou Islamgesetz, que impede que as mesquitas e os imãs do país possam receber financiamento do exterior, em nome do combate ao radicalismo.

A proibição foi denunciada pela comunidade muçulmana como discriminatória, uma vez que não se aplica a outras religiões. Mas, como justificou o ministro dos Negócios Estrangeiros e Integração, Sebastian Kurz, durante a fase de discussão da lei, "com as outras religiões não se coloca o mesmo desafio em termos de influências do estrangeiro".

Segundo explicou, "o que se pretende é reduzir o controlo e influência política a partir do exterior, para que o islão possa desenvolver-se livremente dentro da nossa sociedade, de acordo com os nossos valores europeus".

Para o Governo de coligação, a legislação original, que remonta a 1912, quando o islão foi reconhecido como uma religião oficial, era obsoleta e já não reflectia a realidade com que se confrontam os muçulmanos no país. O estatuto dos muçulmanos austríacos, definido pela Islamgesetz desde os tempos do imperador Francisco José, era considerado um modelo ao nível europeu: a lei conferia os mesmos direitos aos praticantes de todas as religiões, nomeadamente à educação e respeito dos respectivos preceitos religiosos nas escolas públicas.

No entanto, ao contrário de outras religiões, a lei relativa ao islão permaneceu intocada durante mais de um século – ao ponto de a própria Comunidade Islâmica da Áustria ter começado a movimentar-se no sentido da sua "modernização". Os líderes muçulmanos consideraram vários aspectos da reforma como muito positivos: o reconhecimento dos dias sagrados do islão como feriados (que acaba com as faltas dos trabalhadores muçulmanos), o direito ao apoio espiritual no Exército, prisão, hospitais ou lares de idosos ou ainda à alimentação seguindo os preceitos religiosos.

Mas apesar do reconhecimento dessas conquistas, as organizações islâmicas do país (e também do estrangeiro) não ratificaram a reforma do Governo – tendo até promovido uma manifestação de repúdio à porta do Parlamento na véspera da votação do projecto de lei, com palavras de ordem como "Não aceitamos esta lei" e "Não mexam na minha religião". "Esta lei é racista e injusta", criticou um dos manifestantes. "O Governo transformou a lei islâmica numa lei securitária", denunciou a porta-voz da Comunidade Religiosa Islâmica da Áustria, Carla Amina Baghajati.

Na origem da polémica está o tratamento diferenciado dos seguidores do islão face aos crentes de fé católica, protestante ou judaica, que recebem apoio financeiro do Vaticano, da Alemanha ou de Israel. Para as organizações muçulmanas, esta distinção acaba por consagrar na ordem jurídica a desconfiança, intolerância e discriminação dos muçulmanos – que ponderam contestar a constitucionalidade da nova lei, por desrespeitar o princípio da igualdade.

A revisão da lei também estabelece critérios para a prática religiosa que não estão especificamente consagrados para as outras fés, nomeadamente a obrigatoriedade de os textos do Corão serem traduzidos em alemão, que também tem de ser a língua da "pregação". A lei também determina que só imãs formados em universidades austríacas podem liderar as orações.

Segundo a Comunidade Islâmica da Áustria, a população muçulmana do país ascende a mais de meio milhão de pessoas, cerca de 7% da população, a grande maioria de ascendência bósnia ou turca. Apesar de não haver conflitos inter-religiosos, existem tensões sectárias dentro dos seguidores do islão, nomeadamente refugiados tchetchenos que têm vindo a exprimir simpatia por grupos extremistas como o Estado Islâmico.

Em Abril, duas adolescentes austríacas viajaram para a Síria para se casarem com jihadistas, um caso que fez furor no país. Este ano, as autoridades já detiveram dezenas de menores sob suspeita de envolvimento em actividades terroristas.

O Governo austríaco desmentiu categoricamente que a reforma legislativa tenha sido influenciada pelos acontecimentos recentes, como por exemplo os atentados terroristas de Janeiro em Paris ou o ataque da semana passada na Dinamarca: a revisão está em discussão desde Novembro de 2014. "Este foi um longo processo, de intenso debate até se chegar à versão definitiva da lei. Estamos bastante orgulhosos e acreditamos que esta reforma consagra o lugar e o papel do islão no nosso país", disse à Deustche Welle Alexandra Hopf, a porta-voz do Partido Social-Democrata, que lidera a coligação.

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