Moscovo retalia com sanções económicas e suspende canais militares com a Turquia

Primeiro-ministro russo anuncia restrições à importação de alimentos e à actividade de empresas turcas, e a suspensão de projectos de investimento conjuntos. Presidente turco diz que é a Rússia que tem de pedir desculpas.

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A Rússia exige um pedido de desculpas à Turquia Sergei Ilnitsky/Reuters

O receio de um conflito armado entre a Rússia e a Turquia por causa do abate de um caça russo na fronteira com a Síria, na terça-feira, parece ter sido completamente afastado, mas Moscovo está a planear uma resposta dura, apontada ao coração da economia turca.

As primeiras indicações surgiram logo na terça-feira, quando as autoridades russas aconselharam os turistas a não gastarem o seu dinheiro nas estâncias balneares da costa mediterrânica da Turquia. Duas grandes empresas já cancelaram as suas ofertas, e o responsável pela agência de turismo estatal russa, a Rostourism, disse que a cooperação com a Turquia vai ser "obviamente" suspensa.

Se esta medida tiver os resultados esperados por Moscovo, os cofres turcos poderão deixar de receber até quatro mil milhões de euros por ano – o valor estimado dos gastos dos turistas russos na Turquia, um grupo que só é superado em número pelos turistas alemães.

Mas o primeiro-ministro da Rússia, Dmitri Medvedev, anunciou esta quinta-feira que o seu Governo está a preparar uma retaliação económica muito mais abrangente, que vai das restrições à importação de alimentos até ao cancelamento de projectos de investimento conjuntos – medidas que podem também afectar a Rússia, que já sofre com as sanções aplicadas pelos EUA e pela União Europeia por causa da anexação da península da Crimeia, e que tem fortes laços económicos com a Turquia.

"O Governo foi instruído a elaborar um sistema de medidas económicas e humanitárias em reacção a este acto de agressão", disse esta quinta-feira Medvedev, durante uma reunião do Conselho de Ministros transmitida pela televisão, referindo-se ao abate de um caça Su-24 por aviões da Força Aérea turca, na terça-feira.

O primeiro-ministro russo sublinhou que as medidas vão passar pela "introdução de suspensões e restrições a actividades das estruturas económicas turcas no território russo", dando como exemplo "a exportação de bens, incluindo alimentos", e "trabalhos e serviços prestados por empresas turcas".

"As mesmas regras poderão ser aplicadas a uma vasta gama de projectos de investimento. A cooperação [nesses projectos] com a Turquia foi estabelecida com base num elevado nível de confiança com esse país", afirmou Dmitri Medvedev, numa indicação da gigantesca barreira que se ergueu entre os dois países nos últimos dias.

Linha militar cortada
Numa outra medida de retaliação, que poderá tornar ainda mais tenso o ambiente na região Noroeste da Síria (onde a Força Aérea russa bombardeia jihadistas e grupos rebeldes que combatem contra as forças do Presidente sírio, Bashar al-Assad), Moscovo suspedeu todos os canais de comunicação entre as estruturas militares russas e turcas, incluindo um "telefone vermelho" que servia para reduzir a probabilidade de voltarem a acontecer incidentes como o da passada terça-feira.

Do lado da Turquia, o Presidente Recep Tayyip Erdogan endureceu esta quinta-feira as críticas, depois das cautelas demonstradas quarta-feira. Numa entrevista ao canal norte-americano CNN, Erdogan não só não pediu desculpas pelo abate do caça russo, como disse que é a Rússia que tem de se desculpar pela "violação do espaço aéreo" turco.

"Quem tem de pedir desculpas é quem violou o nosso espaço aéreo. Os nossos pilotos e as nossas Forças Armadas limitaram-se a cumprir os seus deveres, que consistiam em responder a violações das regras de envolvimento em combate. É isso que está em causa", afirmou Erdogan.

A Rússia continua a garantir que o seu caça Su-24 não chegou a entrar em espaço aéreo turco, mantendo-se sempre em território sírio. Os dois pilotos russos ejectaram-se, mas um deles foi morto por combatentes de uma milícia turcomana apoiada pela Turquia na luta contra o regime de Bashar al-Assad; o piloto que sobreviveu, e que foi resgatado, garantiu na quarta-feira que não entrou na Turquia e que as autoridades turcas não emitiram qualquer aviso – nem através de áudio, nem ordenando aos seus pilotos que se mostrassem ao caça russo.

A Turquia diz que emitiu dez avisos durante cinco minutos, e que o caça russo esteve no seu espaço aéreo durante 17 segundos, o que levou o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, a acusar Ancara de ter lançado uma "provocação planeada".

Esta quinta-feira, as Forças Armadas turcas divulgaram uma gravação áudio que dizem provar que os pilotos do caça russo foram avisados: "Fala a Força Aérea turca. Aproxima-se do espaço aéreo turco. Mude a sua rota para Sul imediatamente", ouve-se na gravação divulgada como sendo da comunicação com o caça russo na terça-feira.

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