Governo irlandês processado por morte de mulher a quem recusaram o aborto

Em 2010, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos concluiu que o Estado irlandês está a falhar na aplicação da sua própria lei.

Foto
A República da Irlanda tem a lei mais restritiva de toda a União Europeia Cathal McNaughton/Reuters

O viúvo de uma mulher indiana que morreu num hospital em Galway, na República da Irlanda, depois de lhe terem negado um aborto, vai levar o Governo irlandês a responder perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

A notícia foi avançada à agência AP pelo advogado de Praveen Halappanavar, marido de Savita Halappanavar, a dentista indiana que morreu no dia 28 de Outubro, uma semana depois de ter dado entrada no hospital com fortes dores nas costas. Vista por um médico, foi-lhe dito que não seria possível levar a gravidez até ao fim, mas disseram-lhe que nada podiam fazer enquanto houvesse batimento cardíaco. "[O médico] disse-nos que o colo do útero estava totalmente dilatado, que estava a perder líquido amniótico e que, infelizmente, o bebé não sobreviveria", contou Praveen Halappanavar.

A República da Irlanda tem a lei mais restritiva de toda a União Europeia, autorizando apenas o aborto quando a vida da mulher estiver em risco – uma excepção que coloca todo o poder de decisão nos médicos assistentes.

No dia seguinte, com fortes dores, a jovem indiana pediu ao médico assistente que, "já que não podiam salvar o bebé, que induzisse o aborto". "Mas ele disse-nos que enquanto houvesse batimento cardíaco não podia fazer nada". Cada vez mais fraca, repetiu o pedido no dia seguinte. "O médico disse que era essa a lei, que este é um país católico", recordou Praveen.

O seu estado de saúde agravou-se nas horas seguintes. Tinha vómitos e febre. Desmaiou quando se levantou para ir à casa de banho. Preocupados, os médicos retiraram-lhe sangue para análise, mas só ao terceiro dia, depois de confirmarem que o coração do feto parara, fizeram o aborto. Savita saiu consciente do bloco operatório, mas horas depois seria transferida para a unidade de cuidados intensivos, onde acabaria por morrer três dias depois. A autópsia revelou que não resistira a uma septicémia.

"Os médicos tinham tudo ao seu dispor e deixaram-na morrer. Como é possível deixar morrer uma mulher para salvar um bebé que vai morrer de qualquer forma. A Savita ainda podia ter tido mais bebés", lamentou o marido.

"Isto era uma emergência obstétrica que deveria ter sido tratada de forma rotineira. Mas os médicos abdicam de tomar decisões médicas óbvias por receio das potenciais consequências graves", disse ao Guardian Rachel Donnelly, activista pró-escolha irlandesa.

Em 2010, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos concluiu que o Estado irlandês está a falhar na aplicação da sua própria lei, não criando condições para que as mulheres em situação de risco tenham condições para interromper a gravidez com segurança e em tempo útil. No país, a maioria dos médicos são objectores de consciência e outros receiam agir alegando que não dispõem de linhas de orientação clara.

Sugerir correcção
Comentar