Morte de Juscelino Kubitschek foi assassínio político, declara comissão

Presidente brasileiro terá sido vítima de conspiração urdida por dirigentes do regime militar, denuncia relatório apresentado em São Paulo.

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Kubitschek acena na inauguração de Brasília a 21 de Abril de 1960 AFP

A morte do ex-Presidente Juscelino Kubitschek, que governou o Brasil entre 1955 e 1960, não foi um acidente, mas antes um assassínio encomendado pelo antigo regime militar, concluiu a chamada "Comissão Vladimir Herzog para a Verdade", constituída pela câmara municipal de São Paulo para rever e investigar casos e crimes da ditadura.

“A comissão declara o assassínio de Juscelino Kubitschek de Oliveira, vítima de conspiração, complô e atentado político na rodovia Presidente Dutra em 22 de Agosto de 1976”, anunciou o vereador Gilberto Natalini, presidente da comissão, na apresentação do relatório de 29 páginas sobre a morte do Presidente conhecido pelos brasileiros como JK.

A conclusão do inquérito põe em causa a versão oficial da História, que atribui a morte do antigo Presidente brasileiro à colisão do automóvel onde viajava, na estrada que liga a cidade de São Paulo ao Rio de Janeiro: desviado da estrada pela manobra de um autocarro de passageiros, a viatura acabaria por embater num veículo pesado que seguia na direcção contrária.

Segundo informou Gilberto Natalini, a comissão compilou todos os factos apurados nos vários inquéritos e investigações da morte da Kubitschek e descobriu 90 novos indícios – “evidências, provas, testemunhos, circunstâncias, contradições, controvérsias e questionamentos” – que sustentam uma explicação diferente para o acidente na localidade de Resende, no estado do Rio de Janeiro.

“Não foi um acidente”, disse Natalini, que vai fazer a seguir o relatório da comissão de São Paulo para a Presidente da República, Dilma Rousseff, e o presidente do Congresso, Renan Calheiros, em Brasília, e também para Pedro Dalari, o coordenador da Comissão Nacional da Verdade criada pelo Governo em 2012. O objectivo, prosseguiu, é rectificar a versão oficial do Governo brasileiro e reconhecer o assassínio de Kubitschek.

“Enquanto a ditadura tenta ocultar provas, a democracia vem para reconstituir a verdadeira História. O relatório não deixa dúvida de que a morte de Juscelino foi causada por um assassino covarde”, disse o vereador Ricardo Young, que também assinou o relatório produzido pela comissão.

Entre os novos indícios recolhidos, a comissão destacou o depoimento de motorista Ademan Jahn, testemunha do acidente e cujo relato dá força à tese de que o condutor do Opala de Kubitscheck foi baleado na cabeça. Como se lê no relatório, Jahn viu Geraldo Ribeiro “debruçado, com a cabeça caída entre o volante e a porta do automóvel, não restando dúvida de que o condutor se encontrava desacordado e inconsciente, e já não controlava o veículo antes do impacto”.

Notícias anteriores diziam que os laudos notavam a existência de um fragmento de metal de sete milímetros no crânio de Geraldo Ribeiro. A comissão solicitou uma nova perícia, mas foi informada que “o laudo original e os materiais solicitados [o fragmento metálico] não foram localizados”. “Conforme as autoridades, estavam desaparecidos das dependências da Polícia Civil tanto o laudo oficial com o resultado da exumação da ossada de Ribeiro, quanto a análise original do fragmento metálico”, notam os relatores.

Alberto Carlos, um perito de medicina legal que participou na exumação do cadáver do motorista de JK, disse à comissão que viu um buraco de bala no crânio de Geraldo Ribeiro. “Um provável orifício provocado por entrada ou saída de projéctil de arma de fogo”, declarou.

Outro testemunho inédito foi o de Josias Nunes de Oliveira, que estava ao volante do autocarro que teria sido provocado o despiste do automóvel de Juscelino. O motorista, de 69 anos, contou que cinco dias após o acidente foi procurado por “dois homens cabeludos, que se identificaram como repórteres” e que lhe ofereceram uma mala cheia de dinheiro para que assumisse a culpa do acidente. “Mas não assumi, pois não tinha a menor culpa”, declarou.

Perante todos os indícios, os responsáveis pelo relatório formularam uma nova versão para a morte de JK. Segundo eles, tratou-se de uma conspiração urdida por dirigentes do Serviço Nacional de Informação e pelas hierarquias do Exército brasileiro, com o acordo do então Presidente João Figueiredo, com o objectivo de impedir o regresso de Kubitschek à política.

Juscelino Kubitschek de Oliveira, o primeiro Presidente do Brasil nascido no século XX, é um dos políticos mais admirados no país. Médico de profissão, iniciou a sua actividade política nas fileiras do Partido Progressista, tendo depois estado na fundação do Partido Social Democrático. Foi presidente da câmara de Belo Horizonte, deputado federal e governador do seu estado, Minas Gerais – no final do mandato, renunciou ao cargo para concorrer à presidência.

Foi eleito em Outubro de 1955 com 35% dos votos, a pior votação de todos os presidentes eleitos entre 1945 e 1960. Mas actualmente é considerado o melhor Presidente da História do Brasil. Nos chamados "anos dourados" do seu mandato, lançou o “Plano de Metas” para o desenvolvimento do país e foi o responsável pela construção de Brasília, a capital federal e símbolo da integração e progresso do Brasil.
 
 
 
 

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