Morreu Abdullah, o rei que reforçou o poderio da Arábia Saudita

Príncipe Salman, meio-irmão do monarca, é o novo ocupante do trono. Morte surge num contexto de grande incerteza na região

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O rei Abdullah tinha cerca de 90 anos Reuters

O rei saudita Abdullah bin Abdulaziz morreu no hospital, aos 90 anos, anunciou a televisão estatal da Arábia Saudita. O monarca, o quinto filho do fundador da Arábia Saudita a ocupar o trono, será sucedido por outro meio-irmão, o príncipe Salman, numa mudança de testemunho esperada mas que não deixa de contribuir para as incertezas que rodeiam o Médio Oriente.

Abdullah, que terá nascido em 1923 ou 1924, era rei desde Agosto de 2005, embora tenha governado de facto o país na década anterior, depois de o antecessor, o rei Fahd, ter sofrido um acidente vascular cerebral.

À frente de uma das últimas monarquias absolutas do mundo, é creditado por algumas reformas internas: autorizou a realização de eleições municipais, que continuam a ser as únicas permitidas no país, e anunciou que as mulheres poderiam votar e ser eleitas (o que não chegou a acontecer), permitiu um nível mínimo de crítica ao governo na imprensa, deu o seu nome à primeira universidade não segregada do país e aprovou bolsas de estudo que permitiu a milhares de jovens estudar no estrangeiro. Reforçou também o papel da Arábia Saudita como potência incontestável da região e esmagou, há quase uma década, a presença da Al-Qaeda no país, após uma série de atentados que colocou em causa a segurança no maior produtor mundial de crude.

Mas a estrutura de poder não foi tocada e a Arábia Saudita mantém-se como um dos mais repressivos países do mundo, onde as mulheres são a ser presas por conduzirem, os partidos políticos são proibidos, a mínima dissidência é punida com prisão e as execuções em público uma prática corrente.

A notícia da sua morte, à 1h de sexta-feira (22h de quinta-feira em Portugal continental), foi antecedida pela recitação de versos do Corão na televisão estatal que, pouco depois, poria fim a uma especulação que durava desde 31 de Dezembro, altura em que Abdullah foi hospitalizado com uma pneumonia.

O funeral realizou-se a meio do dia de setxta-feira, um momento de grande solenidade religiosa uma vez que o rei saudita ostenta o título de guardião de Meca e Medina, o que faz dele uma das figuras mais importantes da fé muçulmana. Entre as presenças já confirmadas no funeral está o rei Abdallah da Jordânia e o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

Os problemas de saúde de Abdullah foram recorrentes nos últimos anos, originando especulações sobre a sucessão no reino saudita, actor decisivo no Médio Oriente e potência mundial do petróleo. Para garantir a normalidade, Salman bin Abdulaziz al-Saud foi de imediato proclamado rei, passando o título de herdeiro para o príncipe Moqrin, o mais novo entre as dezenas de filhos de Abdulaziz al-Saud, o fundador da Arábia Saudita. Depois da sua morte, em 1952, o trono foi ocupado sucessivamente por cinco dos seus filhos, uma tradição que volta agora a ser respeitada.

Num primeiro discurso ao país, o novo monarca, tido como menos interessado em reformas e mais próximo da ultraconservadora liderança religiosa, assegurou que manterá a linha dos seus antecessores. "Permaneceremos, com o apoio de Alá, no caminho seguro que este Estado segue desde a sua criação pelo rei Abdulaziz e pelos seus filhos depois dele", afirmou Salman numa intervenção em que prometeu manter o país a salvo de qualquer ameaça e apelou à união das nações árabes e muçulmanas.

Mas há incertezas que continuam a pairar sobre o trono saudita. Salman, que era príncipe herdeiro e ministro da Defesa desde 2011, tem 79 anos e há vários rumores sobre o seu estado de saúde, que a monarquia desmente. Moqrin foi designado no ano passado segundo na linha de sucessão, numa iniciativa de Abdullah para garantir a renovação da linha dinástica. Mas outros meios-irmãos contestam (ainda que veladamente) a escolha, apontando o facto de ser filho de mãe iemenita e de ter ultrapassado outros príncipes que, pela idade, estariam à sua frente na sucessão.

Se vier, efectivamente, a ocupar o trono saudita, Moqrin deverá ser o último da sua geração a fazê-lo, pelo que as atenções estão já centradas em perceber qual entre os netos de Saud assumirá um dia as rédeas do país. Salman deu um primeiro passo nesse sentido, ao nomear nesta quinta-feira o sobrinho Mohammed bin Nayef, actual ministro do Interior com boa reputação no Ocidente, como segundo na linha de sucessão, após Moqrin. Designou ainda um dos seus filhos, Mohammed bin Salman, como ministro da Defesa, mas manteve os titulares das outras pastas, incluindo Negócios Estrangeiros, Petróleo e Finanças.

A morte de Abdullah surge também num momento de grande incerteza na região, com a Arábia Saudita a agir em várias frentes para travar, ao mesmo tempo, os avanços do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, e limitar as tentativas do Irão para se assumir como a outra grande potência regional. Um contexto nem sempre favorável à aliança com EUA, sob tensão desde o apoio americano às revoltas da Primavera Árabe, mas que continua a ser vista como estratégica pelos dois países. 

Os últimos meses foram também marcados pela queda abrupta no preço do crude, um movimento com fortes consequências nas economias dos países produtores. Mas Riad assegura que não planeia cortar a produção, num braço-de-ferro que visa tornar menos atractivo os investimentos no gás de xisto, visto como passaporte de independência energética por vários países, a começar pelos EUA. Após o anúncio da morte de Abdullah, o preço do barril de petróleo disparou nos mercados de Londres e Nova Iorque, mas os analistas acreditam que se trata de uma subida ocasional.

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