A segunda morte do bulldozer de Israel, oito anos depois do coma

Reacções à morte do antigo primeiro-ministro são o reflexo da sua vida, um percurso que se confunde com a história de Israel.

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Sharon estava em coma desde 2006 Gil Cohen Magen/reuters

Aos 85 anos – oito depois do derrame cerebral maciço que o arrastou para um coma de que nunca mais saiu – Ariel Sharon, o bulldozer da política israelita, morreu neste sábado num hospital de Telavive. A morte é uma segunda saída de cena, a confirmação de um desfecho que se sabia certo desde 2006, mas em Israel, onde foi controverso como poucos, e nos territórios palestinianos, onde o odiaram como a nenhum outro, não houve indiferença – houve, de um lado, homenagens a um político cuja história se confunde com a do país; do outro festejou-se o fim de um inimigo e de “um criminoso de guerra”.

Tovah Lazaroff, directora adjunta do Jerusalem Post, resumia assim o que Sharon foi para os israelitas: “Foi talvez o mais venerado e muitas vezes o mais insultado dos políticos, classificado alternadamente como um fazedor da paz e um belicista. Durante décadas, os seus actos como comandante militar e político moldaram tanto a percepção que Israel tem de si, como a imagem que o mundo tem da nação judaica”.

Não muito distante dali, Wael Abu Yousef, dirigente da Organização de Libertação da Palestina (OLP) dizia à BBC que “os palestinianos ainda se lembram bem daquilo que Sharon fez e tentou fazer ao povo e ao seu sonho de construir um Estado”. “Apesar dos colonatos e das guerras que lançou contra nós, aqui e no Líbano com os crimes de guerra de Sabra e Chatila, Sharon partiu mas os palestinianos continuam na sua terra.”

Traído por um segundo, e devastador, AVC, no auge da sua popularidade, quando era quase certa a reeleição para um terceiro mandato, Sharon passou os últimos anos da sua via em “estado vegetativo persistente”, mas os filhos, Omri e Gilad, recusaram sempre desligar as máquinas que o mantinham vivo. No início do ano, os responsáveis clínicos do hospital de Tel Hashomer, nos arredores de Telavive, revelaram que a sua situação se agravara, com sinais de que vários órgãos estavam a entrar em falência.

“Ele já não está connosco. Partiu quando quis”, afirmou Gilad, numa declaração aos jornalistas depois de a notícia ter sido filtrada por fontes do Governo. Em segundos, os jornais e as agências de todo mundo colocaram em linha os obituários em espera desde 2006. “Sharon deixa uma marca de fogo na história do seu país”, escreveu o francês Libération. O New York Times lembrou o “homem que foi tanto odiado como admirado pela sua crença de que os judeus tinham de garantir e defender os seus interesses colectivos, sem vergonha nem medo de censuras”. A AFP sentenciava que para a história “ficará como o mentor da desastrosa invasão do Líbano, em 1982, mas também como o chefe de Governo que retirou as tropas e oito mil colonos da Faixa de Gaza, em 2005”.

Elogios e repúdio

Em Israel, onde se prepara um funeral de Estado para o antigo primeiro-ministro, o tempo não é já de comoção, mas de homenagem a um homem que, nas palavras do Presidente Shimon Peres, “foi um soldado corajoso e um estadista ousado”. “Arik amava o seu povo e o seu povo amava-o. Foi um dos grandes defensores e arquitectos de Israel, que nunca conheceu o medo e a quem nunca faltou visão", disse Peres, agora o último da geração de fundadores do Estado hebraico. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, diz estar certo que “sua memória ficará para sempre no coração da nação”.

Um legado que está longe de ser unânime. Os ultranacionalistas, que o veneraram como o campeão dos colonatos, não lhe perdoam a humilhação da retirada de Gaza; a esquerda, que o apoiou nessa última iniciativa, diz que ficará para sempre associado a um dos episódios mais tristes da história do país, os massacres de palestinianos nos campos de Sabra e Chatila, às mãos das milícias falangistas libanesas.

Por aquele crime, de que foi considerado “responsável indirecto”, mas também pela repressão da Segunda Intifada, pela política de colonização ou pelo cerco a Yasser Arafat no seu quartel de Ramallah, a sua morte foi celebrada neste sábado da Cisjordânia a Beirute. “Os palestinianos estão extremamente felizes com a morte deste criminoso, cujas mãos estão manchadas com o sangue do nosso povo”, reagiu Sami Abu Zuhri, porta-voz do Hamas, no poder em Gaza. Em Teerão, a televisão estatal noticiou a morte de um “criminoso sionista”, no Egipto as redes sociais encheram-se de insultos a Sharon.

O Presidente norte-americano, Barack Obama, juntou-se a meio da tarde ao coro de dirigentes que, evitando a polémica, enviaram a Israel as condolências pela morte do antigo primeiro-ministro. Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU, pediu a Netanyahu que se inspire no “pragmatismo” que Sharon demonstrou nos últimos anos de vida “para permitir por fim a criação de um Estado palestiniano independente”.

Mais calorosa foi a reacção de John Kerry, secretário de Estado norte-americano e, como Sharon, um veterano de guerra: “Quer se concorde ou discorde das suas posições – e Arik sempre foi claro como a água sobre o que defendia – é preciso admirar o homem que se bateu de forma determinada para garantir a segurança e a sobrevivência de Israel.”
 
 
 
 
 

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