Momentos radicais e a necessidade de uma justiça eleitoral imparcial

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Manuel Gonzalez Oropeza DR

O México, a par do Brasil, é apontado como um dos modelos em leis e justiça eleitorais – por isso, o Centro Norte-Sul do Conselho da Europa alargou o Mediterrâneo o suficiente para trazer a Lisboa Manuel Gonzalez Oropeza, juiz do Tribunal Federal do México.

PÚBLICO: Como é que se explica a eficácia do poder judicial mexicano em matéria eleitoral?
Manuel Gonzalez Oropeza: Nós vínhamos de um sistema com um só partido, violações graves dos direitos políticos e a ideia de que as questões políticas eram alheias à acção dos tribunais... Pouco a pouco, os tribunais começaram a intervir. Ao mesmo tempo, o país mudou. O que era a oposição genérica de vários partidos tornou-se Governo. Temos um sistema federal e muitos partidos são coligações de duas ou mais formações. Esta pluralidade fomentou mudanças estruturais.

Ou seja, demora tempo.
Sim, mas se não se começa nunca se chega ao destino.

No Egipto, cada novo Presidente quer controlar o poder judicial. Como é que se conjuga independência judicial com juízes que não defendem a democracia?
É difícil. Implica, por exemplo, uma reforma judicial onde os juízes sejam designados de maneira a garantir a sua imparcialidade. Há 25 anos criámos um ramo separado, que hoje mantém uma jurisdição especializada. Nós somos juízes eleitorais. Nós – nem sequer o Tribunal Supremo pode interferir nas nossas resoluções – somos nomeados pelo Supremo, não pelo Presidente, mas pelo poder judicial. Eu fui selecionado pelos onze membros do Supremo, que depois levaram o meu nome ao Senado, que o ratificou por dois terços.

Para fazer isso não é preciso estar num determinado ponto de maturidade política e judicial?
Eu acredito que quando um país está a sair de uma revolução tem as condições para tomar medidas radicais, toda a gente está descontente com o antigo regime. Não é imediato, mas sou optimista. O México convidou delegações do Egipto, que ouviram o Instituto Eleitoral, que é o órgão administrativo, e o Tribunal Eleitoral.

Olhando hoje para a Tunísia e para o Egipto, a diferença será que a Tunísia viveu o tal momento radical e o Egipto não?
Sim. Cada país é distinto e cada cultura também.

A população mexicana sabe que o vosso tribunal existe?
Este tribunal tem sensivelmente 20 anos, e a população em geral ainda não identifica muito bem o nosso papel. O nosso trabalho também é difundir o que fazemos.

Como é que trabalham nessa divulgação?
Primeiro, dando transparência às nossas actividades. Temos um espaço num canal de televisão e as nossas audiências podem ser vistas na Internet. Depois, organizamos debates com a academia. Em Novembro, vamos a Oaxaca, o estado com mais população indígena, para um evento a que chamamos Observatório Judicial. O que isto tem conseguido é que os partidos, mesmo os que diziam não reconhecer o nosso poder, recorrem ao tribunal.

O México tem 52 grupos étnicos; como é que se acomodam as diferentes comunidades?
No México, incorporámos na Constituição a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], a mais importante sobre direitos indígenas. Todas as autoridades devem respeitar os usos e costumes. Em matéria eleitoral, quando isso não acontece, nós interferimos. Mas a questão é complexa – não se trata apenas de respeitar os direitos dos indígenas, muitas vezes eles violam os direitos das suas comunidades, proibindo, por exemplo, que as mulheres votem. Basta que alguém se queixe e nós ordenamos às autoridades administrativas que ponham em prática as nossas decisões.

E costuma funcionar?
Sim, com dificuldades. Eu tive um caso onde houve seis processos a partir de um. Tinha havido violência numas eleições, com mortes, e as autoridades não implementavam as minhas resoluções. No final, conseguimos. Vinculámos o governador, sublinhámos que haveria multas, e forçámos os intervenientes políticos a repetir umas eleições numa comunidade perdida em Oaxaca.

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