Molenbeek, o município belga onde “é fácil fugir da polícia”

Muitos dos imãs de Molenbeek, como do resto do país, foram formados na Arábia Saudita, outros nos seus países de origem, poucos na Bélgica.

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Vigília pelas vítimas de Paris em Molenbeek, município perto de Bruxelas Emmanuel Dunand/AFP

Se Bruxelas está desde sábado em estado de sítio, o município de Molenbeek, um dos 19 que formam a área metropolitana, está assim há mais de uma semana, com buscas porta a porta e raides policiais que se repetem desde que a caça ao homem aberta com os atentados de Paris mostrou que daqui saíram – e para aqui podem ter fugido – alguns dos envolvidos.

Abdelhamid Abaaoud, suspeito organizador dos ataques que fizeram 130 mortos, e que morreu no assalto da polícia francesa a Saint-Denis, arredores de Paris, na quarta-feira, vivia aqui. O mesmo acontece com o homem que a polícia belga agora mais procura, Salah Abdeslam, francês residente na Bélgica, que terá tido algum papel logístico nos atentados reivindicados pelo autoproclamado Estado Islâmico, e que se suspeita que planearia fazer-se explodir.

Muitos atentados da última década, desde os de 2004 em Madrid aos de Janeiro contra o jornal Charlie Hebdo, envolveram gente que vivia ou passou por este município de cem mil habitantes e apenas seis quilómetros quadrados. Antes disso até: o belga que matou o líder da resistência afegã aos taliban, Ahmed Massoud, dois dias antes do 11 de Setembro, era de Molenbeek. Daqui terão saído um terço dos belgas que se juntaram aos extremistas na Síria (440, o maior número per capita da Europa); 30 dos regressados estarão actualmente a viver nas ruas do município próximo do centro da capital, separado deste por um canal.

“Por que é que Molenbeek se tornou num hub de terroristas?”, é a pergunta que se repete por estes dias. Não há uma explicação simples, mas várias pistas. E apesar de muitos caminhos levarem a Molenbeek – “Quase sempre há uma ligação. Tentámos a prevenção. Agora vamos ter de ser repressivos. Deixámos andar, agora estamos a pagar o preço”, disse o primeiro-ministro, Charles Michel –, este município não é considerado o ponto mais radicalizado da Bélgica.

Com uma taxa de desemprego próxima dos 60%, o município está dividido em guetos étnicos, com bairros onde 80% dos habitantes são magrebinos, há aqui muito tráfico de droga, abandono escolar e a população queixa-se de discriminação permanente. Se a Bélgica é o país do comunitarismo, onde os habitantes se definem como valões ou flamengos, em Molenbeek esta tendência é levada ao extremo, com as suas mesquitas conhecidas como “marroquinas”, “turcas”, “paquistanesas” ou “somalis”. “O Estado Islâmico integrou esta ideia há muito tempo”, diz ao jornal Le Monde o assistente social Johan Leman. “Para eles, Antuérpia pertence aos Países Baixos, e Bruxelas a França.”

Muitos dos imãs de Molenbeek, como do resto do país, foram formados na Arábia Saudita, outros nos seus países de origem, poucos na Bélgica. “Alguns imãs sublinham que a França tem uma política externa má. Outros contentam-se com as leituras sagradas, fechados nos seus dogmas e escritos. É preciso conhecer a sociedade na qual se vive para se poder falar-lhe”, afirma, citado pelo mesmo diário francês, o imã Hassani, que lidera as orações na mesquita da rua dos Etangs Noirs, uma das quatro reconhecidas pelo Estado no município (há pelo menos mais 18). “Eu estou aqui há 40 anos, trabalhei 34 no supermercado Delhaize.”

A próxima geração
Alguns responsabilizam o antigo autarca, o socialista Philippe Moureaux, que foi presidente da câmara entre 1992 e 2012, pelo fechamento e radicalização a que assistiram. “Houve uma partilha de poder entre o município e as mesquitas”, afirma Claude Moniquet, antigo jornalista e ex-membro dos serviços secretos que vive em Bruxelas. “Moureaux teve medo de reforçar a islamofobia. Insistiu nos problemas económicos, explicando que as coisas ficariam melhores no dia em que houvesse trabalho”, diz, por seu turno, Sarah Turine, adjunta das questões da Juventude no actual governo local.

“Precisamos de mais vigilância e da ajuda do governo federal porque esta comunidade não está equipada para lidar com estes problemas”, defende Karim Majoros, vice-presidente do município, entrevistado pela revista Time. Majoros sublinha que é preciso agir com muita cautela: “O que está a acontecer agora vai ter repercussões na próxima geração, que está a assistir à forma como lidamos com os problemas e que é a mais vulnerável para o recrutamento”, diz, pin na lapela onde se lê “Je suis 1080”, o código postal de Molenbeek.

O município não serve apenas de local de recruta e radicalização, mas também como base de células estrangeiras, francesas principalmente. Bruxelas é um lugar apetecível, localizado a poucas horas de Londres, Amesterdão ou Paris; e Molenbeek a sua comuna mais referenciada e, ao mesmo tempo, invisível. Numa das associações locais onde a polícia esteve na última segunda-feira, o Monde encontrou Medhi, um jovem de 18 anos que vive no município e diz que ali não é difícil passar-se desapercebido. “Aqui, podemos escapar facilmente da polícia.”

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