Ministra britânica demite-se por ter inflacionado ajudas de custo pedidas ao Parlamento

Polémica ensombrou a última semana do Governo de Cameron, em pré-campanha para as europeias.

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Miller tinha sido acusada de usar dinheiro dos contribuintes para pagar casa onde viviam os pais Paul Hackett/Reuters

Maria Miller, a ministra da Cultura que até agora tinha em mãos a tarefa de montar um novo regulador para a imprensa britânica, não resistiu à polémica provocada pela revelação de que recebeu indevidamente ajudas de custo do Parlamento para pagar uma casa em Londres. A sua demissão surge como uma derrota para o primeiro-ministro, David Cameron, que resistiu quase uma semana à pressão para que afastasse a ministra.

Miller, uma das quatro mulheres entre os 22 ministros do Governo de coligação, anunciou a sua demissão nesta quarta-feira de manhã, dizendo que o caso se transformou numa “enorme distracção” que está a ensombrar “os incríveis sucessos deste Governo” – a mês e meio das eleições europeias, a avalancha de notícias sobre as despesas da ministra era vista com grande irritação no Partido Conservador, que, segundo as sondagens, deverá cair para o terceira lugar na votação.

A agora ex-ministra garante não ter sido forçada a sair do Governo, alegando que tomou a decisão depois de consultar a família e falar, terça-feira à noite, com Cameron. O primeiro-ministro lamentou a saída da aliada e nomeou para o seu lugar Sajid Javid, uma das estrelas em ascensão nos tories e que era, até agora, secretário de Estado no Ministério das Finanças.

A saga em que Miller se viu protagonista é uma sequela do escândalo que, no Verão de 2009, abalou as fundações do Parlamento britânico, face às revelações de que durante anos os deputados abusaram de forma sistemática do sistema de ajudas de custo, engrossando os seus salários com o reembolso de despesas injustificadas ou abusivas e, em alguns casos, falsas.

O principal instrumento de fraude eram as ajudas de custo a que os deputados têm direito para o pagamento das despesas com a segunda residência – fosse a situada no círculo pelo qual foram eleitos, fosse a que usam durante as estadias em Londres. Depois do escândalo, as regras foram apertadas, mas o caso de Miller provou que o sistema de regulação continua a ter erros.

Um inquérito foi aberto depois de um deputado trabalhista ter acusado a ministra de ter pago à custa dos contribuintes uma casa em Londres onde viviam os seus pais. Em Fevereiro, a responsável pelo inquérito considerou a acusação infundada, mas determinou que Miller deveria restituir 45 mil libras (55 mil euros) que recebeu indevidamente para o pagamento das prestações da casa – a moradia tinha sido comprada por 234 mil libras, mas a então deputada fez uma hipoteca ao banco de mais de 500 mil libras e era esse o valor que surgia nas ajudas de custo pedidas ao Parlamento.

A ministra assegurou que cumpriu sempre as regras vigentes e um seu assessor chegou a sugerir que a polémica era uma vingança dos jornais por ser ela a responsável por pôr em funcionamento o novo organismo de regulação da imprensa, criado no rescaldo do escândalo das escutas ilegais efectuadas pelo tablóide News of the World. Mas a indignação só cresceu depois de, quinta-feira passada, a Comissão de Ética do Parlamento ter baixado o valor da indemnização para 5800 libras (7000 mil euros) e de a ministra só ter demorado 30 segundos a efectuar o pedido de desculpas que lhe foi exigido por ter sido pouco cooperante com as investigações internas.

Quando dezenas de milhares de pessoas tinham já assinado uma petição a exigir a demissão da ministra, Cameron mostrou-se surdo à contestação e, no dia seguinte, aconselhava a imprensa a “deixar as coisas como estão”. Nesta quarta-feira, no debate semanal na Câmara dos Comuns, foi finalmente obrigado a admitir o erro de cálculo: “Pensei que a decisão certa era [a ministra] demitir-se e continuar o seu trabalho”.

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