Em memória de Boris Nemtsov, milhares dizem em Moscovo que não têm medo

Opositores dizem que o assassínio de Boris Nemtsov, 55 anos, abre um novo capítulo na violência contra vozes críticas na Rússia. "Abriu a época de caça."

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Dezenas de milhares de pessoas saíram à rua em Moscovo para assinalar a morte de Boris Nemtsov, opositor e antigo vice-primeiro-ministro, e dizer que não têm medo. No entanto, é imprevisível o efeito deste assassínio, ocorrido a poucos metros do Kremlin, a médio prazo.

Famílias, velhos, jovens, desfilaram pelo centro de Moscovo com bandeiras russas e fotografias de Nemtsov. Alguns tinham cartazes dizendo “Je suis Boris Nemtsov”, outros placards que garantiam: “Não tenho medo”.

O opositor Ilia Iashin disse esperar que o assassínio não intimidasse as pessoas. “Essencialmente foi um acto de terror, um assassino político com o objectivo de assustar a população, ou a parte da população que apoiava Nemtsov e não concordava com o Governo”, defendeu, citado pela agência Reuters. “Espero que não fiquem assustados, que continuem o que Boris vinha a fazer.”

A marcha estava planeada há semanas e Nemtsov seria um dos participantes. Antes de morrer, o opositor tinha dado uma entrevista a promover esta acção, que pretendia criticar a acção da Rússia na Ucrânia – Moscovo nega ter combatentes a lutar do outro lado da fronteira, algo que Kiev e vários países ocidentais disputam. Nemtsov trabalhava aliás numa investigação sobre esta presença militar, tendo entrevistado famílias de soldados russos que morreram na Ucrânia, segundo pessoas próximas.

Organizadores da marcha, como Leonid Volvov, dizem que a acção, que tinha sido planeada como algo positivo com bandeiras e balões, não poderia manter-se deste modo. “Já não encaixa no momento trágico e na magnitude de Nemtsov, assim como a magnitude da linha vermelha que agora foi ultrapassada”, declarou, segundo o jornal britânico The Guardian.

O opositor mais influente na Rússia, Alexei Navalni, que disputou a presidência da Câmara de Moscovo, está na prisão a cumprir 15 dias de sentença e não poderia participar na marcha. Essa foi aliás a razão pela qual Nemtsov, que nos últimos anos tinha deixado a ribalta para o mais jovem Nalvani, se tinha encarregado de encontrar apoio para a manifestação, entregando folhetos nas ruas ou falando em entrevistas na rádio.

A marcha terminou na ponte onde Nemtsov foi assassinado na sexta-feira à noite. Também houve acções em cidades como São Petersburgo. Mas a oposição tem muito pouco peso fora das grandes cidades russas e especialmente desde a invasão da Crimeia a taxa de popularidade de Putin está em mais de 80%.

Muitos dos opositores estão a viver no estrangeiro, por exemplo o antigo campeão de xadrez e activista Garry Kasparov ou o ex-oligarca Mikhail Khodorkovski, que antes passou dez anos na prisão.

Os que ficaram, como Alexei Navalni, têm sido vítimas de perseguição judicial. Quando Navalni foi condenado por corrupção (pena suspensa), o veredicto foi um choque para a oposição.

Mas ninguém poderia antecipar que fosse possível um antigo responsável político, com ligações fortes à elite russa, ser assassinado – por isso a morte de Nemtsov foi um autêntico choque para as elites, apesar de para muitos russos ele não ser uma personalidade importante.

“Durante anos, conhecedores de Moscovo reagiam às tiradas de Boris Nemtsov contra o Presidente Vladimir Putin com um revirar de olhos – já todos sabiam o que ele ia dizer. O homem que Boris Ieltsin quase escolheu para seu sucessor tinha-se tornado irrelevante, marginalizado”, escrevia o jornalista Leonid Bershidski no site da emissora Bloomberg.

Mas depois de sexta-feira tudo mudou: “Agora as críticas de Nemtsov foram validadas do modo mais terrível.”

Apesar disso, Bershidski duvida de que a sua morte “revigore o movimento de protesto anti-Putin”.

Especialmente relevante foi o facto de ter morrido num local onde “há mais câmaras de vigilância do que grãos num pacote de arroz”, como dizia a também opositora Olga Romanova ao New York Times.

Os opositores culpam o Presidente, Vladimir Putin. Quer tenha sido uma ordem directa ou fruto do incitamento do Presidente, que atiça sentimentos nacionalistas e chama aos opositores “traidores” e “a quinta coluna”. “Foi Putin que criou esta atmosfera de ódio no nosso país, uma atmosfera de intolerância, que de um modo ou de outro se materializou na bala que matou o meu amigo Boris Nemtsov”, disse Iashin.

“É um golpe para a Rússia. Se as opiniões políticas são castigadas deste modo, este país não tem simplesmente futuro”, disse outro opositor, Sergei Mitrokhin. Já Khodorkovski declarava que “para muitos a morte de Boris vai ser de tal modo importante que todo o país poderá ficar diferente”, cita o diário israelita Ha’aretz. “Vamos estar cada vez mais perto do precipício da guerra total de todos contra todos? Ou vemos encontrar dentro de nós a força para compreender que diferenças políticas não são razão para pararmos de agir como seres humanos?”

“Isto não foi resultado de uma questão qualquer interna. Estes foram profissionais a sério”, disse ao New York Times Ievgenia Albats, directora da revista liberal New Times e amiga de Nemtsov. De qualquer modo, quem quer que tenha sido, Albats não tem dúvidas: “Está aberta a época de caça.”

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